
“Minha filha estava jogando Among Us em uma sala aberta e começou a receber mensagem no chat de um desconhecido. Ele perguntou quantos anos ela tinha, se podia dar um beijinho. Ela usava o login ‘lindinha’. Daí ele escreveu ‘Oi lindinha, vamos nos conhecer?’”. Esse foi um episódio real vivido por Sabrina Laurentino, mãe de Isabella, 8 anos, no jogo online Among Us.
“A partir desse episódio, fiquei bem preocupada e muito atenta a essa dinâmica dos jogos online”, diz Sabrina. Na época, a filha tinha apenas 6 anos e costumava jogar com os amigos. Entretanto, as salas abertas do jogo permitem que qualquer usuário entre na partida e, consequentemente, faça contato por meio do chat com os outros integrantes. Nesse contexto, muitos jogadores têm a possibilidade de realizar práticas mal-intencionadas, como o cyberbullying e o assédio virtual das crianças nos games.
Os casos de Sabrina e Isabella não são isolados. Liana Poiani, mãe de Alice, 8 anos, vivenciou uma situação similar com a filha por volta de julho de 2020, já durante o período de pandemia. Ao baixar o jogo Roblox no computador, Alice recebeu mensagens em espanhol de um usuário desconhecido, pouco tempo depois de começar a jogar.
O Roblox é uma plataforma voltada para os menores de idade e contava, em 2020, com 54% do público formado por faixa etária de até 13 anos. Portanto, deveria ser um ambiente seguro. Porém, já ocorreram casos de assédio e até abuso virtual dentro do jogo, provocados por adultos pedófilos que se infiltraram no game.
Liana não se lembra do conteúdo das mensagens, mas a aproximação do desconhecido já causou insegurança tanto nela quanto na filha. “Na sequência eu já removi o jogo. Fiquei preocupada pois foi a primeira vez que baixei um jogo pra ela no computador. Ela só tinha acesso a aplicativos bem simples e sem interação, que usava no meu celular”, explica. Após o caso, Alice não jogou mais no Roblox, e mantém interação em outros jogos apenas com os amigos que sabe que estão online no mesmo momento.

Riscos para a saúde mental
O assédio, seja virtual ou não, sempre pode causar prejuízos para a saúde mental de qualquer pessoa. Com as crianças não é diferente. “Ansiedade, depressão, medo, fobias sociais e reclusão social são os danos psicológicos mais comuns”, afirma o médico Victor Kurita, especialista na saúde mental e física dos gamers. Por isso, o médico alerta que os pais devem ficar atentos a qualquer mudança no comportamento dos seus filhos, desde alterações de humor até no sono e apetite.
Para Sabrina Donatti, advogada e produtora de conteúdos digitais sobre maternidade e Direito, a solução não está em remover os games da vida dos filhos. “Proibir que a criança participe dos jogos ou culpá-la pelo acontecido não irá ajudar, somente fará com que ela não lhe conte mais nada e entenda que não será acolhida”, diz. Segundo Donatti, a chave está na comunicação e na atenção. “É importante manter conversas frequentes, procurando saber como foi o dia, perguntando sobre pontos positivos e negativos. Isso fará com que, aos poucos, as crianças se abram para contar sobre casos de assédio virtual”, recomenda.
Victor Kurita concorda que os pais devem se manter sempre abertos para ouvir as reclamações dos filhos e disponíveis para auxiliar em qualquer conflito que as crianças estejam envolvidas. No entanto, também é indicado que os responsáveis busquem ajuda profissional. “Apoio e acompanhamento psicológico com a ajuda de profissionais é sempre necessário aos gamers, independente da intensidade e frequência dos ataques que sofreram”, aponta o médico.

Assédio virtual é crime
A insistência, obsessão, perseguição e ofensa moral causada pelo assédio virtual são consideradas crimes, dispostos tanto na Lei dos Crimes Cibernéticos quanto no Código Penal. Inclusive, dependendo do conteúdo, pode ser tido como um crime de injúria, difamação ou calúnia. “Ele é tipificado como crime de honra e é importante que se tenha prints ou gravações de tela para poder se comprovar o crime”, acrescenta Sabrina Donatti.
O assédio virtual também é contemplado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, incluído pela Lei nº 11.829, de 2008. De acordo com o Artigo 241-D, “aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso” pode ter como pena reclusão de um a três anos e multa. “A atenção dos pais e a iniciativa de denunciar é primordial para que se consiga reprimir novos ataques”, reforça Donatti.