Com o Pantanal alagando menos nos últimos anos em decorrência das variações climáticas, a tendência é de que, pelo terceiro ano consecutivo, o bioma continue seco, principalmente na extensão que compreende Mato Grosso do Sul.
Ao Correio do Estado, o diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, Felipe Augusto Dias, explicou que, para este ano, há previsão em torno de 70% de prevalência do fenômeno La Niña, o que na, prática, resulta em menos chuvas no Pantanal.
“O Pantanal de Mato Grosso encheu e, por ser uma planície com fluxo lento, está enchendo a calha do Rio Paraguai em MS. Ao mesmo tempo, o Paiguás tem um pouco de alagamento, acredito que por influência das chuvas que ocorreram em Mato Grosso. Enfim, acredito que a seca deve acontecer ainda este ano no Pantanal de Mato Grosso do Sul”, pontuou Dias.
De acordo com o levantamento feito pelo MapBiomas, a área do Pantanal coberta por água e por campos alagados durante a cheia de 2018 alcançou 4,1 milhões de hectares. Em comparação com o início do monitoramento por satélite, em 1988, houve redução de 29%.
Em 2020, quando o Pantanal sofreu com as queimadas históricas, a cheia atingiu apenas 1,5 milhão de hectares, a menor marca em 36 anos. Sem chuvas consideráveis no planalto, em Mato Grosso, a seca deve ser prolongada por mais um ano.
Segundo a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) Daniele Barros, em dezembro de 2021 choveu entre 150 mm e 250 mm na região sul de Mato Grosso. No mesmo período de 2020, a região recebeu acumulado de apenas 90 mm a 150 mm.
“Em 2021, tivemos um maior volume de chuvas por conta da atuação da Zona de Convergência do Atlântico Sul. Já em 2020, esse mesmo fenômeno não foi tão presente na região”, afirmou Barros. Como consequência, para que a situação hidrográfica se normalizasse no Pantanal, seriam necessárias chuvas recordes nos primeiros sete meses do ano.
Conforme o diretor-executivo do SOS Pantanal, que faz parte do Observatório Pantanal, rede com mais de 40 organizações socioambientais que atuam na Bacia do Alto Paraguai (BAP), no Brasil, na Bolívia e no Paraguai, espera-se que, para 2023, a situação do bioma mude.
“Penso que, se as chuvas ocorrerem em volumes normais, a inundação acontecerá. Isso considerando que o volume do Rio Paraguai fique próximo da normalidade no início das chuvas”, reiterou.
RIO PARAGUAI
Seguindo a tendência do bioma, apesar de registrar o melhor nível de água dos últimos três anos, o Rio Paraguai, na faixa que compreende Mato Grosso do Sul, não terá cheia pelo terceiro ano consecutivo.
De acordo com o professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Vinicius Capistrano, os 2,16 metros alcançados na régua de Ladário na sexta-feira ainda se encontram abaixo da mediana de referência, em 3,30 metros.
Conforme o professor, embora seja apontado um aumento na cota para as próximas quatro semanas, essa melhora não deve passar de 0,5 m. “Com a mediana atual abaixo dos 3,30 m atrelada à redução sazonal das chuvas pela proximidade do inverno, é muito provável que a cota este ano em Ladário não chegue a 4,5 m, valor mediano máximo”, salientou.
Ao Correio do Estado, o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Carlos Roberto Padovani explicou que a tendência é de que o volume do Rio Paraguai em Ladário comece a estabilizar e declinar daqui para frente.
“A relação do nível dos rios com o volume de chuvas nas terras é bem conhecida. Seria necessário que os volumes de chuva na porção de planalto da bacia, ao norte, voltassem aos valores observados antes do período de estiagem, que começou em 2020”, pontuou.
No entanto, segundo o pesquisador da Embrapa, as estimativas são de que o fenômeno La Niña pode se prolongar até 2023, postergando a estiagem por mais um ano, pelo menos.
EXTENSÃO
O Rio Paraguai atravessa os territórios do Brasil, do Paraguai, da Argentina e da Bolívia, sendo um dos principais rios da Bacia Platina, importante bacia hidrográfica da região sul da América do Sul.
Na época de inverno e de seca, entre os meses de junho a agosto, o ideal seria que o rio atingisse a marca dos 4,5 metros. Nos períodos mais abundantes, o nível chega a superar 5 metros próximo de Corumbá.
Em 2018, o pico chegou a 5,35 metros, média que não foi alcançada pelos três anos subsequentes Em 2019, a cota máxima foi de 3,91 m em julho; no mesmo período em 2020, a melhor marca registrada no volume da régua de Ladário foi de 2,2 m. No ano passado, o decréscimo foi ainda mais expressivo, com o nível da água em apenas 1,45 m.
CONSEQUÊNCIA
A Embrapa Pantanal apontou que, desde 2020, há uma elevação de 2ºC na região de Corumbá e de Ladário, em média. Com termômetros ultrapassando os 40ºC em diversos dias, esse calor causa uma evaporação muito maior na bacia do Paraguai.
De acordo com o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), a região hidrográfica do Rio Paraguai possui as estações chuvosa e seca muito bem definidas. Grande parte da precipitação na região ocorre entre outubro e abril.
Em março deste ano, o Monitor de Secas da Agência Nacional das Águas (ANA) classificou a seca no Pantanal de Mato Grosso do Sul como “extrema”, em decorrência das chuvas abaixo da média ao longo dos últimos 12 meses.
O diretor-presidente da Ecoa, André Luiz Siqueira, afirma que o cenário é preocupante. “Ainda na época de chuvas, o volume do rio nas réguas apontava apenas uma subida tímida, com números muito parecidos com os observados no ano passado”, pontuou Siqueira.
Na jusante no rio, que compreende as regiões de Paraguai-Mirim e São Francisco, também foi possível observar que as águas estão abaixo da média. O Rio Taquari, que poderia influenciar diretamente a situação, já que desemboca na região, também conta com baixo volume.
TRANSPORTE
Por conta da seca na região, o transporte hidroviário na bacia do Rio Paraguai foi suspenso em setembro de 2021.
O nível negativo em Ladário, que começou mais cedo no ano passado, em relação a 2020, obrigou que o transporte de mais de três milhões de toneladas de minério fosse executado pelas rodovias, e por um custo mais elevado.
A retomada da navegabilidade no Rio Paraguai só ocorreu em janeiro deste ano, quando o calado atingiu nível superior a sete pés (2,10 metros), elevação que permite navegação de 70% da capacidade de uma barcaça de 1.500 toneladas.
As condições de navegabilidade do Rio Paraguai indicam que este será mais um ano de dificuldades por falta de chuvas nas cabeceiras.
Na régua de Ladário, o nível, apesar de melhor que nos anos anteriores, não deve aumentar consideravelmente nos próximos meses. Porto Murtinho deve contar com a mesma tendência, com 2,90 metros registrados na sexta-feira, 2,98 metros abaixo dos 5,41 metros registrados na mesma data em 2019. (Colaborou Thais Libni)
SAIBA
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que 578 focos de incêndio já foram registrados de janeiro a abril deste ano no Pantanal sul-mato-grossense.