O presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta segunda-feira (31), que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. A frase foi repetida nesta terça (1º) em post feito pela Secretaria de Comunicação do governo nas redes sociais. Mas a afirmação é #FAKE.
O presidente proferiu a frase ao ser abordado por uma mulher na frente do Palácio da Alvorada. Ela afirmou: “Bolsonaro, não deixa fazer esse negócio de vacina, não. É perigoso”.
"Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina"
Peça publicitária do governo repete fala de Bolsonaro contra obrigatoriedade de vacinas
Tanto é que uma lei assinada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro no dia 6 de fevereiro já abre essa possibilidade. A lei 13.979 diz que poderá ser adotada para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus “a realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas”.
O texto diz que as medidas somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
Mas deixa claro: “As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei”.
"Existem mecanismos no Código Penal para punir as pessoas que se recusam a se vacinar e evitar a propagação de uma doença contagiosa", afirma o professor da PUC-Rio e advogado criminalista Breno Melaragno, presidente da comissão de segurança pública do Conselho Federal da OAB.
Ele diz que a afirmação do presidente está errada e que o governo pode, sim, obrigar as pessoas a serem vacinadas. Melaragno cita o artigo 268 do Código Penal: "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". A pena é de detenção, de um mês a um ano, e multa.
A advogada da área criminal e especialista nas áreas de direito e saúde Thais Pinhata concorda e diz que “a proteção à saúde, sobretudo a proteção à saúde coletiva, é um ponto extremamente importante no ordenamento jurídico nacional”. “Isso faz com que a gente tenha uma série de previsões que visam coibir ações individuais que atinjam a coletividade. A não vacinação pode ser entendida dentro desse contexto. A pessoa que opta por não se vacinar de uma doença grave e altamente contagiosa atenta contra a saúde coletiva. E, por isso, pode ser penalizada", diz.
Segundo ela, a legislação brasileira prevê penalizações para quem não respeitar uma campanha nacional de vacinação, por exemplo. Ela também cita o artigo 268 do Código Penal.
A advogada diz, porém, que "por se tratar de uma questão muito nova, não há grandes efeitos disso no Judiciário”. “A gente não consegue prever quais vão ser as respostas que serão dadas, se as pessoas irão ser efetivamente penalizadas", complementa.
A médica sanitarista Ligia Bahia, especialista em saúde pública e professora da UFRJ, diz que não há dúvidas: "A vacina para crianças é obrigatória no Brasil e o decreto de emergência da pandemia menciona que medidas preventivas, entre elas a vacinação, sejam observadas (ou seja, é obrigatória para todos)".
"(O presidente) está errado. O Estado pode criar, sim, o dever de submissão à vacinação obrigatória e as pessoas têm o dever cívico de se submeter a essas campanhas de vacinação obrigatória", diz Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da UERJ.
Binenbojm explica que o direito de não receber um tratamento de saúde, por exemplo, tem sido resguardado pela Justiça, quando afeta apenas a própria pessoa. É o caso de pessoas que não aceitam transfusões de sangue por motivos religiosos, ou pacientes terminais que não querem receber tratamentos invasivos.
"No caso especificamente da Covid-19, que é uma doença infecto-contagiosa, existe sim o dever cidadão, é uma obrigação civil de todos os cidadãos, de se submeter, assim que houver disponibilidade de uma vacina cuja eficácia tenha sido comprovada, a uma vacinação obrigatória", afirma. "Porque em jogo não está apenas a vida e a saúde de uma pessoa, mas de todas as pessoas. Seja porque uma pessoa contaminada pode expor as demais, seja porque existe a chamada imunidade social, que depende da imunização do maior número possível de pessoas.”
"O Estado tem mecanismos para sancionar as pessoas que não queiram se submeter a isso", diz, explicando que o governo pode adotar desde multa a restrições de direitos, como o de entrar em ambientes fechados.
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) diz que "a vacinação está entre os instrumentos de maior impacto positivo em saúde pública em todo o mundo, contribuindo de forma inquestionável para a redução de mortalidade e o aumento da qualidade e da expectativa de vida".
"Graças à vacinação foi possível erradicar a varíola e praticamente erradicar a poliomielite, presente, hoje, em apenas dois países", informa, em nota. "O Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro é considerado um dos mais bem-sucedidos do mundo. Além da varíola e da pólio, foram eliminadas do território nacional a rubéola, a síndrome da rubéola congênita, o tétano materno e o tétano neonatal."
"Estas e outras tantas conquistas estão atreladas à adesão do brasileiro à vacinação e ao reconhecimento por estes da importância das vacinas na prevenção de graves danos à saúde", diz a entidade.
A SBIm diz que é dever das autoridades públicas e dos profissionais da saúde conscientizar a população acerca da importância da vacinação sob pena de haver retrocessos como a volta do sarampo. "É dever de cada pessoa buscar a vacinação com o objetivo não apenas da proteção individual, mas também coletiva."
"É essencial lembrar que o artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) define a obrigatoriedade da vacinação para este grupo, cabendo a aplicação de penalidades pelo descumprimento", lembra a entidade.