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Sexta, 22 de novembro de 2024

'Queima científica' feita por universidade provocou incêndio em fazenda no Pantanal; MP investiga

Investigação do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) apontou 12 fazendas onde os últimos incêndios começaram no bioma. Mais de 700 mil hectares foram consumidos pelas chamas neste ano.

04 de jul 2024 - 08h:17 Créditos: G1
Crédito: Mais de 700 mil hectares foram consumidos pelas chamas neste ano.

No Pantanal, um dos 12 incêndios florestais investigados pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) começou após pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) perderem o controle das chamas durante uma queima científica. Segundo apurado, os alunos da instituição realizavam a pesquisa justamente para entender a dinâmica do fogo no bioma.

O incêndio foi provocado durante estudo do Núcleo de Estudos do Fogo em Áreas Úmidas (NEFAU), no dia 10 de maio deste ano, na fazenda Campo Enepê, em Corumbá (MS). Conforme relatório da própria pesquisa, as chamas apresentaram "comportamento mais dinâmico" e saíram do controle.

Durante todo o processo da queima, o NEFAU era acompanhado por equipes do Corpo de Bombeiros e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo). O fogo foi tão forte que as chamas superficiais só foram contidas três dias após o início.

"Logo após a informação do ocorrido, foi solicitado reforços junto ao Corpo de Bombeiros Militar. Duas novas equipes chegaram para apoiar as ações de combate, inclusive com o destacamento de aeronave para lançamento de água nas áreas inacessíveis. Com a chegada destas equipes, o monitoramento dos focos remanescentes via fluvial foi realizado", detalha o relatório do NUFEU.

Área queimada após fogo perder controle, em Corumbá (MS). — Foto: Reprodução
Área queimada após fogo perder controle, em Corumbá (MS). — Foto: Reprodução


Para o Ministério Público, este incêndio foi uma "fatalidade" e categorizado como "acidental". Cerca de 170 hectares da fazenda Campo Enepê foram consumidos pelo fogo que começou com a queima científica.

A reportagem questionou a UFMS sobre a responsabilidade do incêndio. Até a última atualização desta reportagem, a instituição não havia enviado retorno.

"Verifica-se que nem mesmo à UFMS foi possível atribuir-se eventual atitude culposa, uma vez que além de previamente autorizado, havia no local equipes" para o combate à chamas, afirma o Núcleo de Geotecnologias (NUGEO) do MP.

Os proprietários da fazenda Campo Enepê cederam a área de 1 hectare para a pesquisa do NUFEU. Os pesquisadores já tinham realizado outras oito queimas científicas na propriedade antes desta que saiu do controle, segundo dados do relatório. As anteriores foram todas bem sucedidas.

"Todas as precauções e procedimentos necessários para o uso legal do fogo foram realizados. Contudo, um evento fugiu do controle das equipes que executavam a queima. Não foram medidos esforços para retomar o controle da situação. As equipes que executavam a queima realizaram os primeiros ataques, contendo a frente principal que escapou, evitando maiores danos. Reforços foram solicitados e equipes deslocaram, além da via terrestre, por via fluvial e aérea", explica nota do NUFEU encaminhada ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul).

O fogo está consumindo o bioma, que já teve mais de 720 mil hectares destruídos, o que deixa um rastro de devastação ambiental e morte de animais. Para se ter uma dimensão, a área completamente destruída é seis vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro.

Fazenda onde estudo foi realizado perdeu 85% de área

O filho do proprietário da fazenda Campo Enepê, Bruno de Albres, disse que o fogo que foi previamente extinto em 13 de maio, segundo relatório do NUFEU, persistiu até o último dia do mês de junho.

Albres explicou que o fogo subterrâneo, conhecido como turfa, ficou concentrado e as chamas continuaram a consumir a área.

Fazenda foi destruída pelo fogo. — Foto: Reprodução
Fazenda foi destruída pelo fogo. — Foto: Reprodução

"Provavelmente o fogo ficou adormecido em solo de turfa ou algum tronco que ficou queimando e reacendeu. Os pesquisadores foram avisados que o fogo reacendeu", disse o fazendeiro.

Após a informação do fogo ter voltado, os pesquisadores do NUFEU constataram que as chamas provocadas pelo estudo ficaram armazenadas em uma árvore.

"Nossa equipe informou os bombeiros, parceiros do projeto, que foram prontamente até a área e combateram os focos de fogo que apareceram desde o dia 31 [maio] até 5 de junho de 2024", explica nota do núcleo.

A fazenda foi atingida por outros incêndios após ser afetada pelas chamas do queima científica. Segundo o fazendeiro, 85% da propriedade foi consumida pelo fogo neste ano.

"Como produtores rurais sabemos dos prejuízos e impactos ambientais devastadores por consequências da devastação do fogo. As cercas da fazenda foram queimadas, acabou o capim para o gado, o impacto ambiental deste incêndio de junho foi e está sendo terrível."

O fazendeiro fala sobre prejuízos e falta de alimento para o gado.

"Um prejuízo que estimamos chegar perto de 200 mil reais para refazer as cercas da fazenda, sem levar em consideração o capim que perdemos e teremos que comprar ração e feno para os animais", afirmou

Fazendas investigadas

Da enchente à seca, militares atuam contra o fogo no Pantanal — Foto: Saul Schramm
Da enchente à seca, militares atuam contra o fogo no Pantanal — Foto: Saul Schramm

Doze fazendeiros no Pantanal vão ser investigados pelo Ministério Público por serem proprietários de imóveis rurais de onde começaram focos de incêndios que afetaram o bioma.

Segundo o órgão, as causas do fogo ainda não foram identificadas e caso seja provado que houve incêndio intencional, os proprietários podem responder por crime ambiental.

A investigação foi feita pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul em um grupo criado para apoiar nas investigações sobre incêndios ilegais no Pantanal. Os promotores atuam com a ajuda de satélites que monitoram e identificam os pontos de fogo.

Os dados mapearam as chamas de maio até o dia 30 de junho. Desde então, fora identificados 20 pontos de início das chamas distribuídos pelas fazendas, uma terra indígena e outras áreas isoladas.

Entre as fazendas identificadas, quatro delas já tinham envolvimento em incêndios no Pantanal em anos anteriores.

Segundo o órgão, o fogo que começou nessas propriedades se alastrou e já atingiu mais de 177 fazendas em todo o bioma. Alguns dos pontos, chegaram a ultrapassar as barreiras nacionais e atingir áreas do Pantanal na Bolívia -- por onde também se estende.

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