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Segunda, 23 de dezembro de 2024

Terceira via para 2022: Simone Tebet coloca-se como opção na política

Para Simone Tebet, além da “pandemia sanitária” da covid-19, o Brasil vive uma “epidemia política”, e o MDB pode ajudar na curaLeopoldo Silva/Agência SenadoLeopoldo Silva/Agência Senado

07 de out 2021 - 08h:01 Créditos: Conteúdo MS
Crédito: Assessoria

Para Simone Tebet, além da “pandemia sanitária” da covid-19, o Brasil vive uma “epidemia política”, e o MDB pode ajudar na curaLeopoldo Silva/Agência SenadoLeopoldo Silva/Agência Senado

Até o final deste mês de outubro, a senadora Simone Tebet (MS) espera que seu partido, o MDB, defina e anuncie amplamente de que forma irá se posicionar para a sucessão do presidente Jair Bolsonaro em 2022. E, no que depender dela, tal posicionamento não deveria ser no sentido da atual polarização que as pesquisas eleitorais no momento indicam: nem para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que nesta quarta-feira (6) tem um jantar com parte da cúpula emedebista, e muito menos para Bolsonaro. A senadora defende o que chama de “pacto em favor do Brasil”, uma união do centro democrático que recupere, nas palavras dela, a “saúde” do país.

“Além da pandemia sanitária, da covid-19, nós estamos vivendo hoje no Brasil uma epidemia política”, diz Simone Tebet, nesta entrevista ao Congresso em Foco. Uma epidemia que, na visão dela, aproxima as visões políticas de radicalismos que acabam por ameaçar a sobrevivência da própria democracia. Contra esse risco, entende ela, o centro democrático deve se unir e apresentar suas alternativas. E Simone Tebet claramente coloca-se nesta entrevista como uma opção nesse sentido.

A senadora tenta viabilizar-se como alternativa ao Planalto do grupo que hoje está no comando do MDB com o presidente do partido, deputado Baleia Rossi (SP). E, internamente, sofre resistência dos antigos grupos que antes comandavam a legenda, que buscam se aproximar de Lula e que, inclusive, se encontrarão com ele na casa do ex-senador Eunício Oliveira nesta quarta-feira (6). Para esses grupos, Simone tem dificuldades de articulação interna no MDB. “Ela é articulada do ponto de vista de falar, de conhecimento, de capacidade, mas não é articulada do ponto de vista político. Ela agrega muito para fora, mas não agrega para dentro do MDB. Ela fala para fora, mas não para dentro. É como a Gleisi Hoffmann”, avaliou um representante da ala resistente a Simone.

Ao que tudo indica, para se viabilizar, Simone terá que convencer o ambiente eminentemente masculino dos caciques de seu partido. Mas essa tem sido a sua tarefa rotineira. A CPI da Covid, por exemplo, foi composta somente por senadores homens. Mas Simone e outras senadoras acabaram tendo um imenso papel de destaque nas investigações. “O que nos entristece é que a gente tem sempre que ficar falando: ‘Olha, eu estou aqui. Olha, eu sou competente também. Estou pronta para a missão. Quero estar’. Tem que pedir, tem que abrir caminhos, tem que empurrar a porta”, diz ela. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Simone Tebet avisa: ela vai empurrar a porta.

A CPI da Covid esta chegando à sua reta final, com a última semana de depoimentos antes da entrega do relatório final pelo senador Renan Calheiros. O que a senhora espera da conclusão das investigações e quais serão suas principais consequências?

Primeiro, não dá para negar que essa CPI foi diferente de todas as outras. Ela já começou dando certo e, desde o início, produziu um efeito imediato. O efeito imediato foi ter descontinuado esses atos insanos do governo federal. Diferente das outras CPIs, ela é uma CPI concomitante aos acontecimentos. E o fato de ser concomitante aos acontecimentos faz toda a diferença. Normalmente, as CPIs investigam fatos pretéritos, fatos do passado. Nós investigamos fatos presentes e continuados. O fato de a CPI ter descontinuado esses atos insanos do governo federal já fez com que obtivesse grande parte do seu objetivo.

Mas o que irá constar do relatório?

É a síntese de tudo o que vimos. A exposição dos fatos e da verdade do que aconteceu na pandemia, e a sociedade vai fazendo a sua avaliação. Primeiro, havia uma estratégia de combater a covid-19 por estratégia de imunidade de rebanho por contaminação, e não por vacinação. Aquilo que o governo pensava e aquilo que o governo dizia era uma estratégia, e ele fazia. Então, eram pensamento, palavras e ações. Caracterizando uma omissão dolosa não somente na compra de vacinas, mas na compra de medicamentos. O atraso no sentido de falta de coordenação e de planejamento para permitir que estados e municípios pudessem trabalhar de forma harmônica. Essa fase do negacionismo vai estar muito presente no relatório da CPI. Paralelo a isso, obviamente que se abre um grande capítulo para questões estaduais pontuais. Obviamente que o estado do Amazonas, mas também pegando o Distrito Federal, o Pará, algumas situações específicas que corroboram essa estratégia do governo federal. A estratégia era omissão, não fazer nada, estimular tratamento precoce, utilizar para convencer todo mundo das suas inverdades, fake news com financiamento indevido, ilegal, irregular. Essa primeira fase vai ser muito recheada de provas, de áudios, de vídeos, de documentos, com perícia, com depoimentos. Junto a isso, no meio do caminho descobrimos o esquema de propinoduto, de vacinoduto, corrupção na compra de vacinas, envolvendo bilhões de reais. Várias vacinas: Covaxin, CanSino. Sempre envolvendo os mesmos personagens. Tentativas de pagamento antecipado, contratos fraudulentos, diversas tentativas usar intermediários para levar vantagem às custas da dor da população. Um outro ponto importante são os planos de saúde – não foi só a Prevent Senior – que tentaram fazer da pandemia, laboratórios e dos pacientes, cobaias para tentar – eureca! – para tentar descobrir o Santo Graal. Vamos fazer testes primários em cima de pacientes, porque se colar vamos ganhar o Prêmio Nobel, vamos ficar milionários. Houve uma tentativa, um planejamento criado para fazer o que fazem quando se tem medicamentos para serem testados, mas de forma precária. Mesmo depois de alertados. Acho que esses são os pontos principais.

E, aí, se chegam aos envolvidos…

Certamente, há aí um núcleo político, que já existia e continuou com mais personagens. Um núcleo político intermediário envolvendo o Palácio do Planalto – o Gabinete Paralelo. Não só atuando no negacionismo da primeira fase mas também nessa fase da intermediação para a compra de vacinas. E, infelizmente, um pequeno núcleo militar querendo levar vantagem. São as digitais que começam a aparecer. Vai haver o indiciamento de mais de 30 pessoas. E, aí, o bastão vai para o Ministério Público.

Isso tudo foi consequência de uma crença, ainda que enviesada, em determinadas convicções? Ou há outros interesses? Gente que procurou lucrar com isso?

Eu acho que há três situações. Há o negacionista convicto, que acredita que realmente a Terra é plana. Mas esses são, eu tenho convicção, uma minoria. Havia ainda aqueles que queriam que a população acreditasse nessa tese porque estavam mais preocupados com a economia do que com a saúde da população. Aí, entra o Ministério da Economia, o núcleo duro do governo. Mas há, sim, a terceira situação, sim, claramente comprovada, seja pelo núcleo militar seja pelo núcleo político seja por terceiras pessoas que são os intermediários trabalhando ora com o núcleo político, ora com o núcleo militar, tentando levar vantagens financeiras. Cobra uma comissão de um dólar, aí consegue atravessar a venda de vacina fora dos canais oficiais.

E como a senhora encaixaria dentro disso tudo a figura central do presidente Jair Bolsonaro?

Eu acho que o presidente se encaixa em duas situações. Ele cometeu crime de responsabilidade por essa omissão dolosa, por esse negacionismo. Por não determinar uma coordenação nacional de combate à pandemia. Nesse caso, há o crime de responsabilidade e há os crimes comuns a serem analisados depois que ele deixar o mandato. Crimes contra a saúde pública. Claro que o crime de responsabilidade depende do presidente da Câmara e que crime comum depende da Procuradoria Geral da República. E a gente sabe qual vai ser a postura dos dois neste momento. Mas isso não significa que no momento oportuno ele não possa ser responsabilizado por essa inércia, por essa omissão criminosa.

A senhora acredita também na responsabilização internacional, por crimes contra a humanidade, contra os direitos humanos?

Não podemos nos omitir perante a realidade dos fatos. Estamos falando de 600 mil vidas das quais, segundo os especialistas que ouvimos - isso precisa ser investigado - se a vacina tivesse sido adquirida no momento oportuno, se não tivesse sido implementada com fake news essa falsa informação na mentalidade da população, há uma estimativa de que poderíamos ter salvo entre 95 mil a 140 mil vidas. Em vez de 600 mil mortes, talvez 500 mil. Cem mil brasileiros poderiam estar entre nós somente nessa situação do atraso na compra da vacina por negacionismo, por não acreditar nela ou por achar que por imunidade de rebanho deveríamos todos nos contaminar. Diante desse fato, que precisa ser apurado, eu acho que a denúncia às cortes internacionais precisa ser feita. O Tribunal de Haia, diante da situação que foi inclusive notícia no mundo inteiro, não só diante do aspecto geral mas no tratamento a grupos minoritários como os grupos indígenas. Você tem a situação específica do uso da cidade de Manaus como laboratório. Esses elementos específicos podem corroborar a tese levantada, que estará no relatório, para, sim, as autoridades competentes, aquelas que têm a legitimidade para protocolar, possam entrar com uma análise de processo, de julgamento no Tribunal Internacional de Haia. Eu acredito que um pedido bem fundamentado o tribunal tem condições de, no mínimo, receber essa denúncia para investigação. Porque a gente sabe que é uma seleção preliminar. Antes de investigar, há toda uma análise preliminar para aceitar a denúncia. Eu acho que, bem fundamentada, há a chance de a denúncia ser aceita. Óbvio que é um processo demorado depois de investigação.

Na análise do episódio da intermediação da Precisa, a senhora teve uma participação importante. O grupo que apoia o governo sempre repete muito que os contratos não chegaram a acontecer e que, portanto, não houve corrupção nem prejuízo ao erário…

Eu considero esses argumentos como desespero de causa. Eu digo com a tranquilidade de alguém que, além de ser dessa área jurídica, ter tido o cuidado de ter lido várias vezes todo o processo, que tem mais de mil páginas. Houve o ato que consumou a tentativa de prejuízo. Houve o empenho do recurso, de R$ 1,6 bilhão, que está parado até hoje. Ou estava parado até o mês passado. E é dinheiro que poderia estar sendo utilizado para, por exemplo, abastecer os hospitais de remédios, contratar médicos ou qualquer outro fim. Houve o empenho, houve contrato assinado, contrariando todas as recomendações do corpo jurídico do Ministério da Saúde. Contrato assinado com uma empresa que não poderia assinar. Com uma procuração falsa que, por mais que tenha sido falsificada pela iniciativa privada, tinha todas as características de falsificação. Não tinha o registro em cartório. Não tinha autenticidade nenhuma. E houve tentativa, com a emissão de uma nota fiscal, de tentativa de pagamento antecipada, que só não aconteceu por conta de um servidor terceirizado e outro efetivo do Ministério da Saúde. Não é porque você tentou e não conseguiu matar alguém que você não cometeu tentativa de homicídio. Não é porque você entrou na casa de alguém e encontrou o cofre vazio que você não tentou furtar ou roubar aquela casa. Você tem tipos penais para enquadrar isso. Ainda que com penas mais leves, mas tem. Ali, houve crime na área cível, na área administrativa e na área criminal. Ali, está muito claro. Basta saber quem fez. Aí, é uma outra história. Chega em prevaricação do presidente da República? Não sei. Vai constar no relatório. Mas talvez o fato de o general Eduardo Pazuello ter dito que o presidente pediu para olhar, talvez ele se safe e caia a prevaricação no colo do ministro Pazuello. Mas com relação a outros personagens, como Elcio Franco, Roberto Dias, responsabilidades não vão faltar.

A CPI foi criada sem ter na sua composição uma mulher sequer. Depois, no curso das apurações, ganharam muito destaque não apenas a senhora, mas outras senadoras como Eliziane Gama e Leila Barros. Isso deixa uma lição para o Senado. Houve machismo na escolha dos integrantes?

Eu sempre procuro ser muito justa. Acho que não houve intenção machista. Não houve intenção dos senadores de excluir a bancada feminina. Se nós analisarmos, cada partido tinha pouquíssimas vagas. O MDB tinha duas vagas. Tinha que colocar o Eduardo Braga, que era do estado do Amazonas, razão primeira do pedido de CPI. Eu mesmo nem pedi para compor, porque tinha certeza de que meu líder tinha de constar ali. Foi pura coincidência pelo número restrito de vagas. Mas isso mostra, ainda que inconscientemente e indiretamente, o quanto a mulher ainda não exista como protagonista da política. Porque o fato de não ter uma mulher, ainda que involuntariamente, serve para dizer: “Mulher serve para presidir comissão de assuntos sociais”. Mas não serviu por 200 anos para presidir a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante do Congresso Nacional. Só aconteceu agora. Então, são quebras de barreira. O que só nos entristece é que a gente precisa ficar dizendo isso a eles. Quando a gente diz, principalmente no Senado, que é uma casa mais madura, eles reconhecem. Mas o que nos entristece é que a gente tem sempre que ficar falando: “Olha, eu estou aqui. Olha, eu sou competente também. Estou pronta para a missão. Quero estar”. Tem que pedir, tem que abrir caminhos, tem que empurrar a porta. Em pleno século 21, isso nos entristece. Mas eu posso falar pelo Senado: quando a gente se apresenta, a gente é bem recebida. Nesse aspecto, eu acho que a gente no Senado está um passinho à frente da política brasileira. Mas um dia, a história vai contar o papel decisivo das senadoras na história dessa CPI. As senadoras mudaram a história por diversos momentos. Primeiro, quando trouxeram à luz que há realmente uma discriminação ainda que velada do papel da mulher na política no Brasil. Gritam conosco e não gritam com outros, não deixam falar, têm menos paciência. Além disso, em vários momentos decisivos, no momento em que a CPI estava indo para um final que era só o negacionismo, surgiu o nome do deputado Ricardo Barros, que ligou a investigação ao Palácio do Planalto. Não foi só um nome. Não foi só o nome de Ricardo Barros que tiramos. A grande digital da corrupção é o contrato da Covaxin. Também foi uma mulher que mostrou as notas fiscais, as invoices todas, os contratos. Tudo bem, foi uma coincidência, deram para mim, é a minha área. Mas isso mostra o papel da mulher. No momento em que se teve, naqueles grandes embates, em que se precisava do bom senso de dizer que a depoente estava cansada, não iria mais dizer nada, foi uma mulher que sugeriu que deixassem ela descansar e voltar no dia seguinte. Essa voz feminina não é melhor que o homem, mas ela completa. O homem tem características que a mulher não tem, e vice-versa. Essa complementaridade fez com que a CPI desse certo. Por que eu consegui arrancar do deputado Luiz Miranda o nome do Ricardo Barros? Porque antes teve alguém que bateu no Luiz Miranda até deixá-lo em frangalhos. Foram vários senadores insistindo nisso, até chegar a mim para dizer: “Não tenha medo. Não tenha medo do Conselho de Ética. Eu entendo a sua posição, mas seu irmão está prestando um serviço ao país”. Então, como em tudo na vida, nós nos complementamos. Então, isso foi algo que fez com que a CPI passasse a ter um novo rumo, uma outra história. Muito do que vai constar no relatório se deve às intervenções precisas, inteligentes, das nossas senadoras.

Ainda nesse sentido, houve o episódio em que o controlador-geral da União, Wagner do Rosário, agrediu a senhora. E tivemos também a agressão feita pelo empresário Octávio Fakhoury ao senador Fabiano Contarato por homofobia. A senhora encontra conexão entre esses dois episódios?

Sim, há conexão. Eu acho, e acredito que o próprio Fabiano vá concordar, que esses casos não podem servir para nos intimidar. A causa é muito maior do que nós mesmos. Nós não podemos utilizar essas situações para nos vitimizarmos nem para fulanizar. Os dois casos que dizem respeito à bancada feminina e à bancada LGBTQIA+, o machismo e a homofobia, eles têm que ser vistos como casos para que a gente faça do limão uma limonada bem docinha. Você pode chamar uma mulher de incompetente, que a senadora não está dizendo a verdade. A única palavra que não pode ser dita foi dita nesse episódio, porque ela é histórica. Desde que o mundo é mundo, toda vez que a mulher tentou avançar em qualquer espaço público, não é só espaço de poder, quando ela resolveu sair para trabalhar, quando ela resolveu casar com quem ela quisesse e não com quem o pai indicasse, quando ela pediu direito de votar ou ser votada, de trabalhar numa fábrica, tudo o que faziam para querer trazer a mulher para a sua caixinha, para o seu espaço privado, era: “Você é uma histérica, você é louca, você é descontrolada, você tem que ir para um psiquiatra”. Eu vi que o Wagner inconscientemente usou essa palavra. Ele não usou de forma precisa. Foi inconsciente. Mas o inconsciente dá o recado: o machismo é estrutural. A misoginia é estrutural, está no inconsciente. Então, eu aproveitei, como o Fabiano aproveitou, para dizer: “Você não usa essa palavra para uma mulher que ousa ter sua independência econômica, porque essa palavra tem uma força histórica e emocional muito pesada para a mulher. Então, o “totalmente descontrolada” de hoje que foi utilizado contra mim é exatamente o “histérica” contra as mulheres que não queriam casar com os homens que os pais escolhiam, que as levava para um divã psiquiátrico. Que levou mulheres a serem chamadas de bruxas e serem queimadas na fogueira, porque o curandeiro podia pegar uma planta e salvar uma pessoa, mas a mulher que fazia isso era bruxa. Então, é transformar isso como forma pedagógica. O Fabiano fez de uma forma brilhante. Ele estava tremendamente inspirado naquele momento e vai entrar para a história o depoimento dele.

E haveria conexão desses dois episódios com toda a situação que no final a CPI acaba investigando? O negacionismo, a negação da ciência, o obscurantismo, enfim?

São essas tribos que as redes sociais acabam juntando. Você procura falar e estar próximo dos seus iguais. E, aí, você vai realçando seus próprios defeitos. Eu particularmente sou grande admiradora. Acho que as redes sociais surgiram muito mais para o bem do que para o mal, mas há esse lado negativo. Você acaba fortalecendo certos grupos radicais, do negacionismo, do ódio às minorias, do fascismo, dos “ismos” todos, do radicalismo, do autoritarismo. Então, isso faz com que você se junte aos seus iguais. Você tem hoje um governo que é negacionista, que nega a ciência e tudo que é diferente daquilo que é a sua ideia autoritária, hegemônica. Quando você hegemoniza as suas ideias, você tem que excluir ou matar aquilo que é diferente. Então, todas as minorias acabam sendo atingidas. O que eu não esperava é que viesse de um jovem como o Wagner do Rosário que vinha inclusive de outros governos, servidor de carreira. Por isso é que eu quero crer, já até conversei com ele, que foi algo mais inconsciente.

Nós tivemos manifestações contra o presidente no sábado (2). Como a senhora avalia essas manifestações e suas consequências para o país?

Os eventos são o início, e não o fim de nada. Houve uma reação de indignação que levou as pessoas às ruas. E os movimentos me lembraram muito movimentos do passado. Vamos lembrar que as Diretas Já começaram com 5 mil pessoas apenas nas ruas e depois foi um mar, milhões, no final. Houve um início de um processo que diz: nós sabemos que as instituições democráticas estão ameaçadas; ninguém fala em ruptura clássica, nós sabemos disso, mas os pilares são arranhados todos os dias, a imprensa sendo combatida de forma leviana, são os poderes sem a harmonia necessária numa democracia, um governo que testa até o limite a democracia. Quando ele encontra resistência, recua. Por isso, se ele testa a nossa capacidade reação, se for nessa toada pode saber que vai haver reação. Para esse fim, já serviu. Não sei até quando. Não sei em quantidade, mas em qualidade. Todos os partidos democráticos constituídos estiveram presentes.

Em São Paulo, o candidato do PDT, Ciro Gomes, sofreu agressão de manifestantes do PCO, do PT e da CUT. Essa divisão não atrapalha o movimento?

Ela atrapalha, mas é compreensível num primeiro momento. Veja: a gente já teve a capacidade de unir os diferentes. Através de redes sociais. Nós não tivemos um encontro presencial para falar das nossas diferenças antes de falar daquilo que converge. Eu acho que estamos diante de uma ameaça tão grande, não de ruptura institucional, mas de fragilização das instituições democráticas. Isso está fazendo as instituições serem ouvidas. Primeiro, pelo Supremo Tribunal Federal: “Ninguém fechará esta Corte”. E alertando que havia características de crime de responsabilidade, então, não brinque não. Segundo, a capacidade que nós tivemos de fazer uma mobilização pacífica, unindo os diferentes, a todo momento baixando as bandeiras de “Fora Lula”. A direita baixou as bandeiras de “Fora Lula”. E a esquerda aceitou a direita no palanque. Então, isso é muito sintomático. Isso é um avanço em questão de dias que em qualquer outro momento de normalidade levaria meses. Está muito claro que, no geral, todos sabem que precisamos nos unir por aquilo em que há convergência. É obvio que você não consegue impedir certo tipo de manifestações específicas, pontuais, que se resolvam. Talvez até foi bom ter acontecido para que se chame esses grupos minoritários para conversar e mostrar o que está em jogo, o que está maior, o que está além. É um processo. Como eu digo, é o início, não é o fim de algo.

As pesquisas seguem mostrando uma polarização do quadro para 2022 entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Na sua avaliação, esse quadro está cristalizado?

Eu advogo que precisamos fazer um pacto a favor do Brasil. Um pacto em busca dessa via democrática. Hoje, nós vivemos uma epidemia política, além da pandemia sanitária. E ela exige que essa união pelo centro amplie espaços. Ela precisa ocupar espaços para chegar ao segundo turno. Não vejo o processo como favas contadas. Muito pelo contrário. Nós chegamos em um momento em que as pessoas, assustadas, estejam indo para o menos pior. Então, pensaram em um ex-presidente da República. Mas eu acredito ainda em um desgaste político-eleitoral ainda maior, por conta da própria economia combalida, do atual presidente da República. Não sei se ele estará de fato no segundo turno. A ponto de não saber nem se ele realmente será candidato ou não ou se não vai encampar a candidatura de alguém. Então, dentro desse processo, o centro tem condições com dois, talvez no máximo três nomes, para caminhar no primeiro turno tentando uma unidade em torno de dois nomes talvez, para chegar no segundo turno tirando o atual presidente da República.

A senhora tem sido apontada como possível alternativa de centro para a Presidência. A senhora enxerga essa possibilidade? Se coloca como alternativa?

Eu acho que os grandes partidos têm de apresentar seus nomes, desde que lá na frente tenham altruísmo e capacidade de convergência. Olhando pesquisas lá para março, final de fevereiro, e dentro desse processo transformar esses nomes em duas, três alternativas. Eu acho que o MDB, por ser um grande partido de centro, que em outros momentos nevrálgicos do passado esteve presente, tem condições, sim, de apresentar um nome. Entre os nomes que o MDB cogita, está o meu. O que muito me engrandece. É algo que me deixa no mínimo feliz com a lembrança. Mas acho que é algo que precisa ser mais bem construído. Acho que o MDB nas próximas três semanas tem condições de chegar em algum mínimo consenso. Talvez apresentar o nome ao país e analisar nos próximos meses a sua densidade eleitoral. Eu fiquei de conversar com o presidente Baleia Rossi e mais alguns companheiros ainda até o final de outubro. Estamos conversando. Sei do senso de urgência de chegarmos logo a um posicionamento inicial do partido. Estamos trabalhando nesse sentido, estamos dialogando, fazendo o que a gente mais sabe fazer, que é política.

A senhora está à disposição para essa tarefa?

O homem público não pode escolher caminhos. Especialmente quando não é líder, quando é liderado. Quando é liderado, a gente olha para o líder, e ele aponta o caminho. E a gente segue. Estou ouvindo amigos, colegas, antes de me colocar como pré-candidata. Mas repito: para trabalhar numa construção de unidade, em um momento desafiador do país. É um tempo de reconstrução. E a reconstrução não pode esperar para 2022. Porque estamos em um momento de fome, de miséria, de desigualdade social. A reconstrução precisa começar agora.

Publicação: Daiane Schuindt

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