Apesar de voltarem a abrir as portas em 2022, depois do fim das medidas restritivas contra a Covid-19, bares e restaurantes não têm visto a melhora expressiva e consistente que esperavam. A disparada dos preços tem atrapalhando a recuperação do setor. Para 83% dos estabelecimentos, a inflação é o maior desafio para este ano, segundo dados da ANR (Associação Nacional de Restaurantes).
A pesquisa foi feita em parceria com a consultoria Galunion e pelo Instituto Foodservice Brasil. Foram ouvidas 817 empresas de todo o país, que representam cerca de 14 mil empresas do setor.
Segundo o diretor-executivo da ANR, Fernando Blower, a inflação tem um "impacto duplo, seja nos custos diretos como aluguel, CVM (Custo de Mercadorias Vendidas) ou no passivo”, afirma.
Rodrigo Alves, um dos propretários do tradicional Ponto Chic, restaurante com quatro unidades em São Paulo, está no grupo de empresários que considera o aumento de preços o maior vilão do setor em 2022.
"A gente já vem de quase três anos de pandemia que foram catastróficos. Aqueles que não fecharam as portas estão agora sem caixa e capacidade de investimento, ainda tentando recuperar a saúde financeira do bar ou restaurante. E aí encontramos um trator no sentido contrário, que é a inflação", conta Alves.
O brasileiro viu os preços dispararem nos últimos meses. A prévia da inflação para abril foi a maior em 27 anos (1,73%), segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A alta foi impulsionada principalmente pelo combustível, que tem provocado um crescimento dos preços em cascata, por conta da elevação dos custos, já que o transporte rodoviário é o principal meio de transporte de mercadorias. De acordo com a prévia da inflação para abril, a gasolina subiu 7,51% e o diesel, 13,11%.
O último IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15) mostrou ainda que os preços de alimentos e bebidas aumentaram 2,25% em abril, depois de uma alta de 2,42% em março. A alimentação fora do domicílio também subiu (0,28%), mas em percentual inferior ao do mês anterior (0,52%).
"Essa é nossa matéria-prima, é o que mais temos sentido até agora de imediato, acaba com a nossa margem de lucro, quando não provoca prejuízo. Repassar esse preço para o consumidor não é simples, leva tempo e nós temos receio, se passarmos esses valores de imediato corre o risco de perder o cliente. Numa fase que estamos tentando recuperá-lo de volta", diz o dono do Ponto Chic.
Aumento dos juros
Com a inflação ocorre também o aumento da taxa de juros, necessário para frear o consumo e a escalada de preços. O aumento de um ponto percentual da Selic pelo Banco Central, que chegou a 12,75%, encarece as linhas de crédito, o que prejudica empreendedores que tiveram que fazer empréstimos para não fechar durante a crise da Covid-19.
“Isso afeta o passivo das empresas, pois os recentes financiamentos feitos pelo setor na pandemia, como o Pronampe, certamente serão corrigidos com a pressão também sobre os juros”, afirma Blower.
O diretor-executivo da associação acrescenta ainda que os patamares dos juros e da inflação devem prejudicar a recuperação de bares e restaurantes que tiveram uma melhora no fim de 2021 e início de 2022. Seis em cada dez empresários do setor disseram que o faturamento em fevereiro deste ano está igual ao de 2019 ou abaixo dele, um ano antes da pandemia.
Para Rodrigo Alves, o crédito fica mais caro em um momento muito delicado. "Com movimento aumentando, você tem que investir em estoque, injetar dinheiro na empresa, em um momento de juros altos", destaca.
Apesar de o percentual de endividamento no setor ter melhorado em relação à última pesquisa feita em novembro, quando 55% disseram ter dívidas, esse número continua elevado (41%). Entre eles, 15% devem demorar mais de três anos para quitação e 34% vão levar de um a três anos.
Um alívio para bares e restaurantes é a retomada de consumo por parte dos clientes. Em novembro do ano passado, apenas 34% responderam que os consumidores já haviam retornado aos hábitos de consumo de antes da pandemia. Agora, esse percentual saltou para 51%.
Para Paulo Camargo, presidente do IFB (Instituto Foodservice Brasil), a pesquisa mostra que a quantidade de consumidores que estão retomando o consumo vem aumentando de forma gradual, o que leva o setor a ter expectativas positivas para os próximos meses.
Em abril, segundo Alves, há historicamente um aumento, que se mantém até o fim do ano. Em relação a março, o dono do Ponto Chic sentiu um forte aumento do movimento.
Durante o período, bares e restaurantes também tiveram que se reinventar. A maioria apostou na digitalização do negócio e no delivery, já que o consumidor ainda não voltou totalmente de forma presencial. A pesquisa mostra que 89% dos entrevistados operam com delivery e 71% o consideram um canal lucrativo.
“Um ponto significativo é a atenção ao food service dentro dos canais digitais e a constante demanda pela qualidade das operações de delivery. A pandemia acelerou essa tendência e agora os operadores devem estar mais atentos e se estruturarem para atender a esse canal”, afirma Camargo.
Outras ações também foram implementadas, como lançar produtos com novos sabores e texturas (57%); focar em promoções, ofertas do dia e ações de valor (52%); lançar produtos sazonais, frescos ou artesanais (27%) e apostar em produtos gostosos e indulgentes (26%).