Neste momento, 43,7 mil pessoas estão à espera de uma ligação que pode mudar suas vidas: o aviso de "encontraram um doador".
O Brasil é uma referência no transplante de órgãos, quarto do mundo em número absoluto de transplantes. Ainda assim, o número de procedimentos feitos não dá conta da fila.
Desde o início do ano, por exemplo, foram feitos 4,7 mil transplantes. O número representa pouco mais de 10% dos pacientes que aguardam por uma doação. E a fila cresce todos os dias.
A maior demanda é pelo transplante de rim: são 40 mil pessoas. O médico Gustavo Fernandes, diretor do programa de transplantes da Santa Casa de Juiz de Fora, explica que o rim é o órgão mais atingido pelas doenças mais comuns no Brasil, como a diabetes e a pressão alta.
Temos uma demanda grande pelo transplante de rim porque ele é um órgão afetado pelas doenças mais predominantes no país. É um desafio atender a demanda porque a fila não para de crescer.
— Gustavo Fernandes, diretor do programa de transplantes da Santa Casa de Juiz de Fora.
A taxa média de espera é de 18 meses, mas esse tempo pode variar de acordo com o tipo de transplante, estado de saúde do paciente e volume de doadores.
O paciente Luiz Perillo precisa um transplante multivisceral: são cinco órgãos que precisam ser doados de uma mesma pessoa, o que torna o processo mais complexo e demorado. São três anos à espera.
A fila de espera é gerida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e é única -- incluindo pacientes da rede pública e privada. A ordem é cronológica, mas também leva em conta o estado de saúde do paciente.
Por exemplo, alguém que precisa de um rim e consegue fazer hemodiálise pode estar na frente de um paciente com a saúde mais frágil à espera do mesmo órgão. No entanto, o paciente com a saúde mais debilitada é atendido primeiro.
O desafio da doação
No último ano, o país bateu recorde no número de pessoas doadoras de órgãos. No entanto, de cada 14 pessoas aptas a doar, apenas duas se tornaram doadoras de fato.
Ou seja, o número de doações poderia mais que triplicar. Levando em conta que cada pessoa que doa pode salvar até oito pessoas, isso poderia mudar a história de muitas pessoas que estão à espera.
Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) isso acontece por dois fatores:
- Identificação da morte cerebral: após a morte, o processo e preparo para a doação precisa ser rápido. Se não há essa resposta imediata, se perde a oportunidade de transplante.
- Autorização da família para a doação: essa ainda é a principal causa de impedimento da doação.
No Brasil, ainda que a pessoa se declare doadora, o que pode ser feito no RG ou por um certificado online, é a família que tem a palavra final.
É preciso conversar com a família em vida, explicar o seu desejo e ter essa conversa quantas vezes forem necessárias para tirar as dúvidas e garantir que na hora da sua morte, pessoas sejam salvas. — Luciana Haddad, médica e presidente da ABTO.
Com o caso do apresentador Faustão, que precisou de um transplante de coração e rim, um projeto que prevê a doação presumida, sem precisar do consentimento da família em caso de doadores declarados, foi protocolado. O projeto não tem prazo para ser discutido.
Veja, abaixo, alguns detalhes sobre a doação de órgãos e como ela funciona no Brasil:
1) Quem pode doar?
Apenas pessoas que tiveram morte cerebral (encefálica) podem doar órgãos sólidos. Já a córnea pode ser doada por qualquer pessoa, independentemente de como foi a morte. Nesse caso, o coração não precisa estar batendo. Para doar a medula, por outro lado, o doador precisa estar vivo.
A pessoa também pode ser doadora após a morte mesmo que tenha tido doenças como diabetes, hipertensão, doença de Chagas e hepatites B e C. Nesses casos, a saúde do órgão é avaliada antes de a doação ser feita (como acontece quando o paciente falecido não tinha essas doenças).
No caso das hepatites B e C, por exemplo, a doação pode ser feita para um paciente que já tem a doença. Até o fígado pode ser doado, desde que esteja em boas condições.
2) Existe algo que impeça alguém de doar um órgão?
Existem poucos impedimentos para ser doador após a morte, segundo Gustavo Ferreira: HIV, câncer e infecção severa no órgão que vai ser doado são alguns deles. No caso do HIV, o transplante não pode ser feito mesmo que as duas pessoas tenham o vírus.
3) Quais órgãos podem ser doados?
- Coração
- Fígado (pode ser doado em vida)
- Intestino
- Pâncreas
- Pulmão
- Rim (pode ser doado em vida)
- Córnea (tecido)
- Multivisceral (estômago, intestino e outros órgãos são retirados em um único bloco)
- Medula* (*só pode ser doada em vida; procedimento é de baixo risco)
Cada órgão tem um tempo máximo diferente para ser retirado e doado a um receptor: esse tempo é chamado de tempo de isquemia fria. Para coração e pulmão, por exemplo, o prazo é de 6 a 8 horas. Para o fígado, de até 12 horas. Para o rim, 24 horas.
Segundo os especialistas, o órgão mais difícil de encontrar é o pulmão – porque depende de fatores adicionais, como o tamanho do doador e do receptor, que precisam ser compatíveis. O coração tem o mesmo problema. Já o transplante de intestino, apesar de já ter sido feito no país, ainda é inicial.
4) Como ser doador?
No Brasil, a doação de órgãos depende da decisão da família. Por isso, é importante que, em vida, a pessoa converse com os familiares e esclareça a sua decisão.
Existem duas formas de se declarar doador: a carteira de identidade e a autorização eletrônica para doação de órgãos. As declarações incluem a pessoa no cadastro de doadores e, com isso, a equipe médica consegue saber que se trata de um doador e conversar com a família.