Trabalhadores de duas plantas frigoríficas que abastecem grandes cidades brasileiras e até o exterior foram preponderantes para espalhar o novo coronavírus em municípios da região sul de Mato Grosso do Sul. Dados obtidos com exclusividade pelo Campo Grande News mostram que a infestação entre funcionários das duas indústrias, uma de frango e outra de suíno, representa até 65% de todos os casos registrados pelas cidades.
É o que ocorre em Dourados, a 233 km de Campo Grande. Dos 1.197 casos positivos registrados até esta segunda-feira (15), 783 ocorreram nos dois frigoríficos – 33 na indústria de frango da Brasil Foods e 750 na Seara/JBS, que produz derivados de carne suína.
Os dados apurados pela reportagem não são detalhados nos boletins da Secretaria Estadual de Saúde e do Comitê de Gerenciamento de Crise da Covid-19 em Dourados, divulgados todos os dias em transmissões ao vivo pelas redes sociais. O boletim local informa apenas o total de casos da cidade, dos distritos e da reserva indígena.
A covid-19 surgiu nas duas indústrias de Dourados em meados de maio. No dia 22 daquele mês eram 57 no frigorífico de suínos que fica na BR-163 e cinco no abatedouro de frango, localizado no Distrito Industrial.
Testagem em massa – O aumento dos casos, principalmente em cidades da região, levou as indústrias a adotar uma série de ações, como medidas sanitárias no espaço de trabalho e nos ônibus de transporte, afastamento dos trabalhadores dos grupos de risco e testagem em massa de seus funcionários, feita com apoio do Estado e dos municípios. Pelo menos 1.500 na Brasil Foods e 4.200 na Seara passaram pelo exame. O trabalho terminou na semana passada.
Na Brasil Foods, 44 casos foram confirmados – 33 de Dourados, 5 de Fátima do Sul, 3 de Vicentina, 1 de Deodápolis e dois funcionários terceirizados. São 28 já recuperados. No total, 263 foram afastados, entre infectados, casos suspeitos e grupos de risco.
Maior empregador do município de Dourados, a indústria da Seara também mantém centenas de funcionários que moram em cidades da região. Nessa planta foram 4.079 testes e 1.033 resultados positivos.
Além dos 750 confirmados em Dourados, 94 moradores de Fátima do Sul que trabalham na indústria testaram positivo. Em Rio Brilhante foram 62, 41 em Vicentina, 40 em Itaporã, 38 em Douradina, 5 em Glória de Dourados e 3 em Deodápolis.
No documento em que detalha o plano de coleta colocado em prática na indústria e as medidas tomadas, a JBS afirma demonstrar cuidado pela segurança de seus colaboradores e tem compromisso de continuar adotando práticas para a contenção do surto da covid-19, com efetivação de seu protocolo de biossegurança e fiscalização rigorosa. “Vale ressaltar que até agora, a nossa taxa de letalidade é zero e a taxa de internação é de 0,19%, indicadores de boa efetividade das ações”, afirma a empresa.
O documento continua: “São 369 colaboradores recuperados, e, nos próximos 4 dias, teremos 541 que serão submetidos à avaliação médica, pois esses já completarão os 14 dias do isolamento domiciliar, após a realização do teste para Covid-19”.
Falha da saúde pública – Ao Campo Grande News, o procurador do Trabalho em Dourados Jeferson Pereira afirma ser possível verificar falhas na vigilância em saúde dos municípios que não executaram o sistema de monitoramento presencial dos infectados. Por outro lado, elogia as medidas tomadas pelas empresas.
“Houve testagem em massa, testaram todos, inclusive os assintomáticos. Desde o primeiro caso confirmado em 13/05, cerca de 1.600 empregados foram afastados, incluindo 450 gestantes, idosos, comorbidades crônicas e indígenas. O fato de terem afastado todo esse quantitativo foi preponderante para o desastre não ter sido maior”, afirmou.
Segundo ele, dos 1.033 infectados, 369 já estão recuperados e até quinta-feira (18) serão mais 541, totalizando 910, ou seja, quase 90% dos casos positivos estarão recuperados. “A meu pedido, mediante solicitação, a Vigilância em Saúde esteve novamente vistoriando a unidade. Estou aguardando o relatório”.
Jeferson Pereira citou como “outro ponto importante” a informação de que há apenas dois empregados internados – uma mulher de 59 anos na UTI do hospital particular Evangélico um haitiano, na enfermaria no HU (Hospital Universitário).
Sem isolamento – O procurador afirma o que já se suspeitava em Dourados: pessoas infectadas relutam em cumprir a quarentena obrigatória de 14 dias em casa.
“O comportamento social dos empregados contaminados também foi fator decisivo para elevar os números. Não dá para controlá-los fora dos portões das fábricas. Reuniões em casa, confraternizações diversas, rodas de tereré, mantendo aglomerações e não respeitando as regras de distanciamento e de isolamento social, contribuem decisivamente para o aumento”, afirmou Jeferson Pereira.