A dona de casa Elizabete Santos Reis de Lima, de 36 anos, e o professor de música Jeremias Batista Costa Filho, de 39, começaram a namorar em 2018 e, no ano seguinte, passaram a viver sob o mesmo teto, em união estável. Um exame de DNA errado, porém, destruiu o que parecia ser o início de uma história de amor.
Ambos se conheceram na casa dos pais de Jeremias, onde Elizabete (foto em destaque) ia por ser missionária da igreja evangélica da qual o pai do professor é fundador e pastor, na Bahia. Ela frequentava o templo desde os 15 anos.
Parecia um “lindo início familiar”, conta Elizabete ao Metrópoles, coroado com o nascimento de um casal de gêmeos, em janeiro de 2020. “A gente já morava junto. Decidimos engravidar, mais por vontade dele, que me disse que sonhava em ser pai.”
O sonho virou pesadelo quando Jeremias levou somente o menino para fazer um exame de paternidade sem avisar Elizabete, em novembro de 2020, no “DNA Centro Laboratorial de Genética e Biologia Molecular”, na capital baiana. O resultado deu negativo, e ele mostrou o laudo para a então companheira na véspera do Natal e auge da pandemia.
Troca de crianças?
“Fiquei sem saber do que se tratava. Não tinha verdade ali. Falei para ele que se ele não era o pai, eu não era a mãe”, afirma Elizabete.
Ela pediu para irem ao laboratório, disposta a fazer um novo exame, com a inclusão de material genético dela. Diante da negativa do então companheiro, Elizabete se desesperou, porque imaginou que seu casal de gêmeos poderia ter sido trocado por outras crianças no hospital.
“Fui ver as fotos do parto de nossos filhos, para conferir se existia alguma semelhança do bebê que saiu de mim com aquela criança que estava ali do meu lado. Entrei em surto, porque tinha certeza que minha honra não havia sido quebrada, não havia outro pai, outro homem em minha vida.”
Por fim, ela se convenceu, ao constatar a semelhança do menino com o pai, de que o exame feito somente com o garoto estava errado.
Segundo Eduardo Ribeiro Paradela, doutor em neurociências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) e especialista em genética forense, os dois gêmeos deveriam ter sido submetidos ao exame, e não somente um deles. “Gêmeos podem ser de pais diferentes. É uma situação improvável, mas não impossível. Por isso, as duas crianças precisam ser submetidas a exames de DNA.”
Apesar de tecnicamente errado, o resultado do laudo que Jeremias tinha em mãos reverberou e destruiu o projeto de família que somente começava.
“Louca dos gêmeos”
O exame de DNA errado, com resultado negativo, culminou no fim do relacionamento do casal e no desmoronamento de projetos e investimentos de Elizabete, que na ocasião trabalhava como auxiliar financeira de uma empresa de publicidade, além de administrar uma loja de roupas.
Para piorar a situação, Jeremias iniciou uma campanha para difamá-la, usando como recurso o exame de DNA, de acordo com Elizabete.
Ela então começou a ser chamada de adúltera, golpista e “louca do gêmeos”, porque questionava o resultado negativo do laudo. “Fui agredida moralmente, submetida ao julgamento da sociedade de forma muito danosa.”
A mãe dos gêmeos foi ao laboratório para pedir explicações, e um atendente teria afirmado que laudos de DNA “não erram”. O laboratório foi questionado pelo Metrópoles, mas não havia se manifestado até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
Antes do fim de 2020, Elizabete e os gêmeos foram colocados na rua, por meio de uma ordem de despejo, feita a pedido de sua ex-cunhada, proprietária do apartamento onde a dona de casa morava com as crianças e o agora ex-companheiro.
“Eu cheguei a pensar em me matar. Porque não tinha ninguém me apoiando. Não tinha nenhum ombro para chorar aquela injustiça.”
Ajuda jurídica
O amor pelos filhos falou mais alto, e Elizabete decidiu procurar ajuda. Passou a questionar se os exames de DNA eram realmente “infalíveis”, como as pessoas diziam, e se existiam mais mulheres vivendo a mesma situação.
Foi quando ela encontrou a advogada Vanessa Pinzon, especialista em direito civil, por meio da rede de apoio Filhos do Vento, na qual vítimas de exames errados de DNA e profissionais da saúde e da área jurídica se uniam para questionar resultados de laudos.
A rede deixou de existir, mas as vítimas ainda mantêm contato, em grupos de WhatsApp, nos quais trocam informações e orientações sobre seus casos. Somente em um deles, chamado de “DNA Erro”, há 18 mulheres atualmente. Há alguns casos, inclusive, com indícios de fraude.
Laudo desmentido
Com apoio jurídico e moral, Elizabete entrou na Justiça para solicitar novos exames de DNA.
Em 29 de dezembro de 2022, a paternidade de Jeremias foi comprovada, para as duas crianças, por meio de laudos feitos pelo laboratório Biocroma, a pedido do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). Jeremias questionou o resultado, e uma contraprova foi feita, em 9 de novembro de 2023, confirmando novamente que o professor é o pai dos gêmeos.
O reconhecimento da paternidade foi homologado pela Justiça baiana, não cabendo mais recursos.
Desde então, Elizabete tenta garantir, ainda por meio judicial, o pagamento de uma pensão alimentícia justa às crianças, que estão com 4 anos de idade. Atualmente, a família do ex-companheiro deposita pouco mais de R$ 1 mil mensais, que não cobrem nem os gastos com a educação dos gêmeos.
Elizabete diz que paga as contas mensais trabalhando como diarista, além de cuidar dos filhos e da casa. Os avós paternos se distanciaram das crianças, acrescenta ela, mesmo com os laudos desmentindo o primeiro exame de DNA.
“A injustiça ainda impera, apesar de termos provado a verdade. Ninguém fez o caminho de volta para falar que errou. Quem me difamou não se desculpou pelo que disse.”
Ameaça de morte
Além do linchamento moral que sofreu, Elizabete diz que Jeremias a ameaçou, no fim de 2023, para entrar na residência dela (assista abaixo). Na ocasião, após entrar no imóvel, ele teria perguntado aos filhos se eles iriam “sentir saudade” da mãe deles.
“Fiquei atemorizada. Ele disse que a melhor coisa que poderia acontecer para meus filhos seria que eu morresse. Entendi ali o tamanho do problema que estava enfrentando. Não existia amor ali, nem pelos filhos.”
Por causa disso, uma medida protetiva de urgência foi expedida pela Justiça, em 12 de dezembro de 2023, proibindo que o professor se aproxime da ex-companheira.
Mesmo assim, ele descumpriu a decisão ao menos três vezes, como consta em boletins de ocorrência registrados pela Polícia Civil.
Jeremias negou as acusações, por meio de mensagens enviadas ao Metrópoles. Ele diz que Elizabete “forjou uma medida protetiva” com o intuito de impedi-lo de ver os filhos e para o “invalidar perante a Justiça”.
“Aonde está [sic] as provas das ameaças que ela alega ter sofrido? Não há provas porque nunca houve ameaças”, afirma.
A defesa de Jeremias, feita por três advogados, afirma que o cliente “tem demonstrado respeito e cumprimento às decisões judiciais”, diz trecho de nota (leia abaixo).
Gêmeos machucados
Em 29 de abril deste ano, Jeremias descumpriu a medida protetiva, pela primeira vez, ao procurar Elizabete alegando que queria dar “o abraço da saudade” nas crianças. “Nunca quis privar as crianças da presença do pai. Então, decidi autorizar ele ficar meia hora com nossos filhos.”
Elizabete acrescenta que se manteve longe deles, sentada em um banco na rua, aguardando. Cerca de meia hora se passou, quando Jeremias retornou, com as duas crianças machucadas, com hematomas e arranhões nas pernas, nos braços e no rosto (veja galeria abaixo).
Ele não explicou como ocorreram os machucados, atribuindo os ferimentos a “fatores sobrenaturais”, relata a dona de casa. Desde então, Elizabete não deixa mais as crianças com ele. O caso é investigado pela polícia.
Por meio de seus advogados de defesa, o professor alega que “não houve qualquer agressão”. As circunstâncias em que as crianças se feriram, acrescenta, é “minuciosamente” investigada.
O que diz o pai
O Metrópoles entrou em contato diretamente com Jeremias e com seus advogados de defesa. Ele afirmou, por meio de mensagens de texto, que Elizabete mente e que ele tem provas contra “todos os ataques”, mas não as enviou para a reportagem.
Disse também ajudar os filhos, pagando a pensão alimentícia, “mesmo estando desempregado”, e que Elizabete o impede de ver as crianças. “[Ela] usa de alienação parental e forjou uma medida protetiva”, diz, argumentando não ter “nenhuma prova e nenhuma razão” para Elizabete impedi-lo de ver as crianças.
Em nota, os advogados de Jeremias afirmam que todos os processos relacionados ao caso tramitam em segredo de Justiça, “para proteger a privacidade, intimidade e a integridade de todas as partes envolvidas, sobretudo os menores”.
“Esclarecemos categoricamente que não houve qualquer agressão por parte do nosso cliente. Esses relatos estão sendo minuciosamente investigados para garantir que a verdade dos fatos seja estabelecida. A integridade física e emocional de todos os envolvidos, especialmente as crianças, sempre foi e continua sendo uma prioridade para o Sr. Jeremias, que repudia qualquer forma de violência”, diz a defesa.
“Reiteramos que o Sr. Jeremias tem demonstrado respeito e cumprimento às decisões judiciais e continua a prover o suporte necessário a seus filhos, dentro das suas capacidades e observando as necessidades e proporcionalidade.”
Reportagem do Metrópoles