As queimadas recordes na Amazônia resultaram em 31 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) emitidos na atmosfera, segundo dados inéditos, obtidos com exclusividade pelo Jornal Hoje junto com o Observatório do Clima (OC), rede de entidades ambientalistas da sociedade civil brasileira.
O número considera o período de junho a agosto de 2024 e é equivalente às emissões de todo o Reino Unido em um único mês. Atualmente, o Brasil emite cerca de 2,3 bilhões de toneladas de gases, sendo o sexto maior emissor global.
Esse aumento significativo de gases na atmosfera tem impacto direto nas mudanças climáticas. A fumaça das queimadas, além de liberar CO2, também emite metano (CH4), monóxido de carbono (CO) e óxido nitroso (N2O).
Na Amazônia, a fumaça encobre rios que estão nos níveis mais baixos da história, como o Madeira, em Rondônia.
Enquanto isso, no Cerrado, o fogo já consumiu cerca de 9 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Nas últimas semanas, uma densa camada de fumaça se espalhou por mais da metade do Brasil, afetando grandes cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo.
Equilíbrio climático
As árvores da Amazônia desempenham um papel vital no equilíbrio climático, absorvendo CO2 durante a fotossíntese e liberando oxigênio.
No entanto, com as queimadas, grandes quantidades de carbono são devolvidas à atmosfera, intensificando o efeito estufa.
Esse fenômeno, embora natural, tem sido exacerbado pela ação humana, o que resulta no aquecimento global.
O Brasil enfrenta a maior seca já vista na sua história recente, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável por subsidiar as ações de enfrentamento de crises climáticas.
Os dados sobre a seca cobrem o período desde 1950. A série histórica revela que a estiagem se agravou a partir de 1988. De lá para cá, a seca mais severa havia sido registrada em 2015. No entanto, à época, a falta de chuva atingiu apenas uma parte das regiões, fazendo com que os rios secassem e a vegetação pegasse fogo.
"Quase 100% dos incêndios que surgiram nos últimos meses têm origem humana. Eles não são causados por descargas elétricas ou raios", diz o climatologista Carlos Nobre.
"Se o aquecimento global ultrapassar 2°C e o desmatamento alcançar entre 20% e 25%, estaremos muito próximos de um ponto de não retorno. Se continuarmos nessa trajetória, até 2050 já teremos ultrapassado esse limite", acrescenta o especialista.
Em agosto, a temperatura média global perto da superfície foi de 16,4°C, acima da média habitual de 15,6°C. Os oceanos apresentaram uma temperatura média de 20,9°C, também acima da média. Essas condições afetam diretamente o regime de chuvas, resultando em temporais extremos e secas cada vez mais prolongadas e intensas.
Agosto também marcou o décimo terceiro mês, em um período de 14 meses, em que a temperatura média global superou 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.
Desde junho de 2023, temos registrado quase que um mês mais quente na sequência do outro, dado que cientistas e autoridades destacam para apontar que vivemos uma emergência climática. Somente julho de 2024 não superou esse recorde.
Mais CO2 na atmosfera
Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) têm coletado amostras de ar na Amazônia para analisar os gases liberados pelas queimadas.
As análises laboratoriais em São José dos Campos, na sede do Inpe, mostram que, em alguns locais, a Amazônia, em vez de sequestrar carbono, tem liberado mais CO2 do que absorve, especialmente em áreas afetadas pelos incêndios.
A Amazônia absorve mais carbono ou emite mais? Para responder a isso, coletamos dados em quatro locais, duas vezes por mês, desde 2010. Abrangemos um grande quadrante que cobre 100% da Amazônia brasileira, equivalente a 4,2 milhões de quilômetros quadrados, além de parte da Amazônia em outros países. Com o uso de aviões, conseguimos obter uma representatividade regional adequada.
— Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa (LaGEE) do Inpe.
O Brasil tem a meta de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 48% até o próximo ano, mas ainda é incerto se conseguirá atingir esse objetivo (entenda mais abaixo). Uma das alternativas para mitigar os efeitos das emissões é o reflorestamento.
"As emissões brasileiras começaram a crescer, especialmente entre 2018 e 2020. O aumento se destaca no setor de combustíveis fósseis e no desmatamento, que têm impulsionado o crescimento das emissões de gases de efeito estufa. A tendência é preocupante, pois reflete uma falta de progresso na redução das emissões e coloca em risco o cumprimento das metas climáticas do país", explica Osvaldo Moraes, diretor do Departamento de Clima e Sustentabilidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
No Pará, o pecuarista Sadir Schimid tomou a iniciativa de reflorestar parte de sua fazenda, plantando 400 mil mudas de espécies nativas da Amazônia.
Atualmente, 40% de sua propriedade já foi reflorestada. Além dos benefícios ambientais, a prática gera lucro por meio da venda de créditos de carbono, comprados por grandes empresas multinacionais como forma de compensar suas emissões.
Funciona assim: uma empresa ou país que remove mais carbono do que emite fica com saldo positivo no mercado de carbono e pode vender créditos para aqueles que poluem mais.
São soluções que beneficiam o meio ambiente e representam ações urgentes para um planeta em perigo.
Brasil precisa reduzir emissões em 92%
O Observatório do Clima sugere que o Brasil precisa ser comprometer a reduzir suas emissões líquidas de gases de efeito estufa em 92% até 2035, em comparação aos níveis de 2005.
Isso seria equivalente a limitar as emissões a 200 milhões de toneladas anuais até a metade da década de 2030. Atualmente, o país emite cerca de 2,3 bilhões de toneladas de gases, sendo o sexto maior emissor global.
“O custo de não agir é maior do que o esforço de mudança. Contudo, essa transição não acontecerá de imediato; ninguém está sugerindo parar toda a produção de um dia para o outro”, explica Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
"Os países desenvolvidos devem liderar esse processo, fazendo o maior esforço inicial para abandonar os combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, precisamos investir em energias renováveis, retirando subsídios dos fósseis e redirecionando esses recursos para fontes limpas. Atualmente, o que vemos é o contrário: investimentos em combustíveis fósseis continuam a bater recordes globalmente, inclusive no Brasil", completa.
A proposta segue as orientações do Balanço Global do Acordo de Paris, finalizado na COP28 em Dubai, no último ano.
O Balanço Global, também conhecido como Global Stocktake (GST), é um processo importante que examina como os países estão cumprindo suas metas em relação às mudanças climáticas definidas pelo Acordo de Paris, o tratado internacional assinado em 2015, durante a COP21 na capital francesa.
Seu principal objetivo é manter o aquecimento global do planeta bem abaixo de 2°C até o final do século e buscar esforços para limitar esse aumento até 1,5°C (algo que está distante da nossa realidade atual).
Hoje, as metas agregadas de todos os países nos levariam a um mundo quase 3ºC mais quente, mesmo se fossem cumpridas integralmente.
Além da meta de redução de emissões, o Observatório do Clima também propõe que o Brasil adote uma série de políticas públicas que facilitam o cumprimento do compromisso, entre elas:
- diminuir o desmatamento a quase zero, limitando-o a no máximo 100 mil hectares por ano a partir de 2030;
- recuperar 21 milhões de hectares de vegetação de acordo com o Código Florestal;
- aumentar significativamente o sequestro de carbono no solo por meio de práticas agropecuárias de baixa emissão;
- fazer a transição energética dos combustíveis fósseis para fontes renováveis e melhorar a gestão de resíduos;
- no setor energético, ainda segundo o OC, o foco está na ampliação do transporte público, construindo 4.000 km de vias de BRT, substituindo a gasolina por biocombustíveis e eletricidade em carros de passeio, e instalando 70 gigawatts de energia eólica e 95 gigawatts de solar;
- já no setor de resíduos, a meta é universalizar o saneamento e acabar com os lixões, conforme estabelecido por lei.