Nos últimos oito anos (2015 a 2023), 3.440 meninas adolescentes entre 10 e 14 anos se tornaram mães em Mato Grosso do Sul. Como o Código Penal brasileiro define como estupro de vulnerável “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”, entende-se que a totalidade desses casos decorreu de abuso sexual.
Os números do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos) mostram que maior parte dos partos ocorreu em 2015, quando houve 512. De lá para cá, os números decaíram, mas em 2023, ainda foram registrados 274.
Baseado no estudo “Início oportuno do pré-natal em adolescentes vítimas de violência sexual: implicações para o aborto legal no Brasil”, do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas, o Campo Grande News analisou dados de MS, que reforça a gravidez de meninas de 14 anos ou menos como resultado de um ato criminoso.
A pesquisa reforça ainda que o Código Penal, em seu artigo 128 "autoriza a realização do aborto em casos de gravidez resultante de estupro, sem restrição quanto à idade gestacional”.
Segundo os pesquisadores, adolescentes pretas e pardas apresentaram menores coberturas de início oportuno do pré-natal do que meninas brancas, “o que reflete um padrão já identificado de iniquidades raciais no cuidado pré-natal independentemente da idade da mulher, que revelam influência sistêmica do racismo e da discriminação na oferta do cuidado”.
Aqui em MS não é diferente. De todos os 3.440 partos em meninas de 10 a 14 anos ocorridos entre 2015 e 2023, 678 (19,7%) são de adolescentes pretas e pardas que não tiveram acompanhamento pré-natal ou em que este foi realizado de forma inadequada. Entre as meninas indígenas, são 364 casos nessas condições, o mesmo que 10,5%.
No total, pouco mais da metade das mães adolescentes são pretas ou pardas - 1.956 que corresponde a 56,8% -, e 22,3%, ou 769 são meninas indígenas. Entre as adolescentes brancas, o índice de mães entre 10 e 14 anos chega a 19,7%, o mesmo que 680 meninas.
Assim, para os pesquisadores, “considerando que a legislação brasileira classifica relações sexuais com menores de 14 anos como estupro de vulnerável e que a maioria dos casos envolve agressores próximos das vítimas, demoras no reconhecimento da gravidez pelas adolescentes e sua comunicação para as famílias contribuem para que o inicio do acompanhamento ocorra de forma tardia e para dificuldade de realização do aborto previsto em lei”.
Em todo Brasil, conforme os pesquisadores, a estimativa é de que cerca de 11.607 partos anuais ocorram como decorrência de estupro de meninas menores de 14 anos, “sem contar gestações resultantes em natimortos e abortos espontâneos ou provocados (legais ou clandestinos)”.