A ucraniana Olha Hlovatska, 27 anos, em depoimento ao R7, conta como conseguiu escapar dos ataques russos e fugir da guerra que assola a Ucrânia. Dias antes do início do conflito, a jovem concedeu uma entrevista ao portal em que relata "medo" e afirma que a situação se trata de "jogos políticos".
Olha revela como deixou seu país em meio aos bombardeios e à violência crescente, fala da situação dos refugiados, diz acreditar na vitória da Ucrânia e que voltará a Kiev. Quanto aos russos, desabafa: "Eles choram por McDonald's fechados, e nós choramos por cada ucraniano morto".
Olha Hlovatska:
"Na última vez que conversamos, eu estava na Turquia, fui ao encontro do meu marido, que é de Israel. Ele se recusou a voltar à Ucrânia porque já esperava guerra, então decidimos nos encontrar na Turquia. Isso foi no fim de semana, e voltei para Kiev na segunda-feira — a guerra começou na quinta-feira.
Eu estava no trabalho e segui a minha rotina normalmente: até brinquei com os amigos sobre a 'mala de alarme' (um saco branco com as coisas essenciais para carregar em caso de ter de fugir de casa por causa da guerra). Aí, o presidente russo Vladimir Putin reconheceu a independência dos territórios ocupados nas regiões de Donetsk e Lugansk. Nós esperávamos uma guerra naquele território, mas não em toda a Ucrânia.
Na quinta-feira, às 6h, um colega me ligou e avisou que a guerra havia começado. Eu entrei em pânico, não sabia o que fazer nem para onde ir. Liguei para minha família e para os meus amigos, alguns deles sabiam da guerra e outros não, e eu os avisei. Liguei para meu chefe para perguntar sobre o trabalho. Ele me disse para ficar em casa e que eu não deveria me preocupar porque os russos atacariam apenas os lugares estratégicos. Como me lembro, o primeiro ataque em Kiev foi no aeroporto.Na rua conheci uma mulher que tentou sair de Kiev, mas também não tinha onde ficar. Decidimos ficar juntas no metrô e nos apoiar. Comprei mais comida em caso de falta de suprimentos, mas até aquele momento não havia esse problema. O governo acertou a logística para que todos tivessem comida, água e remédio. No metrô, voluntários traziam comida quente, água, frutas e doces para as crianças. Eles também tentavam encontrar insulina para pessoas com diabetes.
À tarde, eu geralmente saía do metrô para ir para casa. Tomava banho, às vezes comprava mais comida e tentava relaxar, mas, com todas as sirenes tocando, eu não conseguia descansar. Passei sete dias no metrô. Até o dia que fui para casa e ouvi explosões, voltei para o abrigo, mas teve uma grande explosão muito perto de mim, apenas 3 km de onde eu estava, e ali eu entendi que não podia mais ficar em Kiev. Explodiram a torre de TV, e a família que estava perto dali morreu.
No metrô também conheci uma mulher com um filho, e todas nós decidimos nos ajudar para deixar Kiev rumo à Polônia. Eu arrumei as minhas coisas em uma bolsa e fui para a estação de trem à tarde, mas insegura. Neste dia, os russos direcionaram foguetes ao Ministério da Defesa, o prédio fica próximo da estação de trem. O foguete foi abatido, mas fragmentos caíram perto da estação."
Olha Hlovatska se despede da Ucrânia rumo ao exílio
ARQUIVO PESSOAL
Polônia
"Consegui chegar a Varsóvia, onde havia um centro para receber os ucranianos. Ali, os voluntários ajudavam as pessoas que estavam chegando nos trens — eles distribuem comida, roupas, oferecem cuidados médicos e orientam a encontrar um lugar para morar. Os poloneses têm um coração enorme, estão ajudando muito e fazem o seu melhor.
As forças russas dispararam mísseis na base militar, que fica entre postos de controle que as pessoas usam para cruzar a fronteira. Eu passei por um deles. Durante toda a viagem até a Polônia, senti medo porque temos a sensação de que eles podem atacar em qualquer lugar.
Em Varsóvia, ficamos em um hotel e no dia seguinte decidimos ir para Berlim, na Alemanha. A Polônia está saturada, não há mais vagas nos abrigos."
Alemanha
"Pegamos o trem para a fronteira com a Alemanha e novamente os voluntários nos receberam com roupas, comida e com suprimentos para as crianças. Havia muita gente tentando ir para Berlim na estação de trem.
Na capital alemã, os voluntários encontravam as pessoas que estavam chegando e as ajudavam em tudo. Minha amiga e o filho foram acolhidos e ficaram abrigados por duas semanas na casa de uma família alemã."
Israel
"De Berlim segui para Israel para encontrar com o meu marido. Eu gostaria de poder ir para casa. Espero o momento de ganharmos esta guerra para voltar. Agora, acho que é muito perigoso voltar para Kiev e ir até os meus pais, porque foi em trânsito que muitas pessoas foram mortas pelos soldados russos."
Família
"Minha família decidiu ficar na Ucrânia. Meus pais estão em casa, em Malyn, e ajudam pessoas de sua cidade que estão precisando. Meu irmão com a esposa e o filho foram para o oeste da Ucrânia, porque o garoto não estava bem com toda a situação de guerra. A cidade onde meus pais moram já foi atacada diversas vezes."
Terror
"Tudo o que os soldados russos fazem é violência e terrorismo. Eles matam civis e fazem isso por diversão. Mataram mulheres com filhos que estavam tentando deixar a Ucrânia. Eu sei de pelo menos 11 casos de estupro de meninas, apenas cinco delas sobreviveram.
Na cidade de Mariupol, eles atacaram durante as negociações de cessar-fogo! Tivemos muitas negociações, mas cada vez os russos atacam mais e mais. Nessas circunstâncias, na tentativa de deixar Mariupol, muitas pessoas morreram — mulheres e crianças na maioria. A cidade sucumbiu e está pagando um preço muito alto por isso.
Eu sei que muitos russos apoiam a guerra e eu não consigo entender como é possível, como é possível apoiar assassinatos. O sangue e a morte de cada criança e de cada mulher morta estão nas mãos de cada russo que apoia esta guerra ou permanece em silêncio! Nunca esqueceremos e nunca perdoaremos! Enquanto eles choram por McDonald's fechados, estamos chorando por cada ucraniano morto!
Mas também sei que há muitos russos que não apoiam a guerra e estão protestando e quero agradecer a eles pelo apoio! Obrigada a todo mundo que nos apoia!"
Esperança
"Eu realmente acredito que vamos ganhar. Temos um exército forte, temos pessoas resistentes e unidas para o objetivo comum: o de ser um país independente como antes. Eu acredito no meu país, no Exército ucraniano. Voltarei à Ucrânia para celebrar a vitória!"