A popularização das apostas esportivas no Brasil traz dinheiro ao futebol, de diversas maneiras, como se nota pelos patrocínios nas camisas dos clubes, pelos naming rights de competições e pelas propagandas em diversos veículos especializados – sim, só olhar ao redor. Porém, há também um terreno pantanoso que merece muito cuidado e os devidos olhares das autoridades. Nos últimos meses, os casos de manipulação de resultados (ou ao menos as suspeitas) se ampliam no futebol nacional. Num país com competições tão capilarizadas, em que a maioria dos atletas atua por um salário mínimo, não é preciso pensar muito para perceber que alguns esquemas de dinheiro fácil são tentadores. E isso também pode afetar as principais divisões, como indica a Operação Penalidade Máxima II, deflagrada nesta terça-feira em seis estados ao redor do país.
A Operação Penalidade Máxima partiu do Ministério Público de Goiás e agora se debruça sobre outros estados, onde há suspeitas de manipulação de resultados em partidas do Campeonato Brasileiro. Cinco partidas da Série A de 2022 estariam envolvidas. Foram cumpridos três mandados de prisão preventiva, além de 20 mandados de busca e apreensão. Quatro suspeitos são jogadores profissionais: o zagueiro Victor Ramos, o zagueiro Kevin Lomónaco, o lateral esquerdo Igor Cariús e o meia Gabriel Tota. Mais um atleta, de nome não revelado, também foi alvo da operação.
Não foram mencionados quais os cinco jogos da Série A que estão sob suspeita. No entanto, estatísticas dessas partidas teriam sido manipuladas a partir das ações dos jogadores em campo, para beneficiar os apostadores – não apenas em questão de resultado, mas também no número de escanteios ou de cartões, por exemplo. Também estão na mira duelos dos estaduais de 2022 em quatro estados: Goiás, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e São Paulo. Os futebolistas suspeitos ganhavam de R$50 mil a R$100 mil para provocar lances específicos nas partidas e, assim, beneficiar os criminosos envolvidos nas apostas. Os lucros eram obtidos de diferentes sites de apostas, inclusive através de laranjas.
A Operação Penalidade máxima teve início em fevereiro, com suspeitas sobre partidas da Série B de 2022. Jogadores estariam envolvidos na manipulação de três partidas da última rodada da Segundona. Os atletas são suspeitos de terem recebido R$150 mil cada. Em comum, eles teriam tomado decisões para influenciar apostas, ao cometer pênaltis no primeiro tempo dos jogos. A suspeita incide sobre Vila Nova x Sport, Criciúma x Tombense e Sampaio Corrêa x Londrina. Oito jogadores foram denunciados: Romário, Joseph, Mateusinho, Gabriel Domingos, Allan Godói, André Queixo, Ygor Catatau e Paulo Sérgio. Eles teriam a incumbência de provocar pênaltis no primeiro tempo – o que só não ocorreu no Vila Nova x Sport.
O principal nome envolvido nessas partidas da Série B é o do volante Romário, então no Vila Nova. Ele teria recebido R$10 mil de sinal e aceitou operar dentro do esquema. Contudo, não foi relacionado para o jogo contra o Sport e tentou convencer outros companheiros a agirem de acordo com a fraude. O Vila Nova descobriu o episódio de antemão, investigado pelo próprio presidente do clube, o policial Hugo Jorge Bravo. Além de rescindir o contrato de Romário, o time goiano também atuou como denunciante e apresentou as provas ao Ministério Público de Goiás. Desde então, as investigações se ampliaram, até atingirem as partidas da Série A.
Por meio de nota oficial, a CBF manifestou seu apoio à Operação Penalidade Máxima: “A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) apoia toda e qualquer ação legal que traga transparência e lisura aos campeonatos que organiza e a todo o esporte brasileiro. A CBF investe uma quantia importante e vultosa no rastreamento e monitoramento de partidas, através da Sport Radar, empresa que atua também para a FIFA e a Conmebol e é mundialmente conhecida por sua expertise neste tipo de trabalho. Isso não acontece somente nas competições que a CBF realiza. A entidade também custeia o mesmo serviço para todas as federações do Brasil. Interferências externas em resultados ou em situações de jogo são uma epidemia global que, para ser solucionada, precisa punir de forma exemplar e urgente, os responsáveis por essa prática nefasta”.
Tais acontecimentos reforçam a necessidade de uma atenção maior das autoridades ao tema das apostas esportivas. Há uma influência inegável sobre o ambiente atual do futebol e também um caminho paralelo possível ao crime. Tais casos de manipulação de resultados prejudicam as apostas esportivas como negócio, de maneira até óbvia. O ambiente de suspeita tira validade das competições e cria uma desconfiança sobre o tema. Até por isso, muitos dos próprios sites de apostas possuem mecanismos internos para desabilitar esquemas suspeitos de fraudes – o que certamente não acontece com o mesmo cuidado em todas as companhias, especialmente quando há uma clara expansão na quantidade de empresas.
Se há uma discussão paulatina sobre a regularização dos sites de apostas no Brasil, a Operação Penalidade Máxima torna ainda mais urgente o avanço na pauta. Primeiro, porque a regulamentação se faz necessária para enquadrar as operações dentro de parâmetros legais, para limitar a expansão dentro dos ambientes esportivos (como clubes ou competições) e para gerar os necessários recursos através de impostos – que devem ser revertidos inclusive para as consequências adversas do jogo, como o vício. A regulamentação também seria importante para coibir esquemas fraudulentos e auxiliar num programa de monitoramento mais amplo contra manipulações de resultados.
É um tema delicado, que merece debate amplo, mas também uma ação cada vez mais incisiva. Está claro que não é a descoberta desses episódios suspeitos que vai suspender a atividade dos sites de apostas (que sequer estão sediados no Brasil pela falta de regulamentação, aliás) e muito menos as possibilidades de arranjos criminosos.