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Quinta, 21 de novembro de 2024

Drags criticam Gianecchini como protagonista de 'Priscilla': 'Levantar bandeira ele não quer'

Sem afinidade com o universo LGBTQIA+, ator tem sua escolha para o papel no musical questionada por comunidade: 'Tanto artista fabuloso, por que ele?'

20 de mar 2024 - 17h:15 Créditos: f5uol
Crédito: Reynaldo Gianecchini protagoniza musical "Priscilla, a Rainha do Deserto" - @priscillarainhadodesertobr

Uma das histórias mais icônicas do universo drag queen, "Priscilla, a Rainha do Deserto" estreia nos palcos brasileiros em junho, com Reynaldo Gianecchini no papel da protagonista Tick/Mitzi. O elenco também conta com Diego Martins no papel de Adam/Felicia, e as atrizes trans Verónica Valenttino e Wallie Ruy se revezam no papel de Bernadette. 

A escalação de Giane para o papel principal, no entanto, vem desagradando a comunidade drag, já que o ator tem pouca afinidade com o universo LGBTQIAPN+ e tampouco experiência em teatro musical. 

Em entrevista, a dupla de cantoras drag Sara e Nina analisou o que está por trás da escolha de Gianecchini para o papel. "Vem crescendo esse interesse em contar as histórias de pessoas trans, drags, travestis. Mas em vez de chamar essas pessoas para narrar suas histórias, chamam pessoas como Reynaldo Gianecchini, que pouco se comprometem, pouco se posicionam, que têm mais passabilidade nos meios onde o dinheiro circula" , critica Gabriel Sanches, que faz a drag Sara.

Alessandro Brandão, que faz a drag Nina, acrescenta: "O que eu acho mais sério está acima do Gianecchini, afinal é difícil dizer 'não' quando você recebe um convite. É preciso ter muita consciência social para dizer 'esse trabalho não é para mim'" , diz. "É um ciclo que precisa ser quebrado lá na origem. Quem tem o poder de convidar o Gianecchini teria o poder de convidar qualquer outro artista drag e dar oportunidade a quem está à margem há tanto tempo."

Sara e Nina foram, junto com a influencer Valen Bandeira, as anfitriãs do Grande Prêmio da Música Brasileira em 2023, no Teatro Municipal do Rio, na luxuosa edição que teve Alcione como homenageada. 

Me sinto em 'Laços de Família' 

O próprio Gianecchini admitiu não ter intimidade com o universo drag e revelou que está precisando correr atrás de habilidades que domina pouco ou quase nada, como a dança e o canto, para tentar atingir o nível de excelência do teatro musical. Em entrevista à CNN, ele comparou a experiência atual ao que viveu em 2000 interpretando o Edu de "Laços de Família" , seu primeiro protagonista em uma novela das 21h, que virou até meme por conta da má atuação de Giane, ainda muito inexperiente na época. 

"Só canto no chuveiro" , admitiu. "E cantar em um musical é um preparo bizarro. Eu estou estudante. Vou lá todo dia e tento dar o meu melhor. Dançar, estamos falando de níveis de dificuldade: não é só dançar, é dançar num salto 15, porque é uma drag. O nível de dificuldade é gigante. Me sinto como se eu estivesse lá atrás, em 'Laços de Família', que eu resolvi fazer uma coisa muito difícil, que eu não tinha experiência" , comparou.

Desperdício de talentos 

Para as artistas drags ouvidas pela reportagem, dar um papel como o de Mitzi a Gianecchini é desperdiçar talentos. "Fico assustado quando vejo um espetáculo com essa envergadura fazer esse tipo de escolha. Por que ele?" , critica Gabriel, que viveu a drag Rubia na novela "Pega Pega" , da Globo, em 2017. "Como, dentro de uma comunidade com tantos artistas fabulosos que cantam, dançam, sabem maquiar, costurar, produzir, criar, não tinha uma que pudesse fazer essa protagonista?" , critica. 

"Que bom que o Diego [Martins] está lá. Ele se monta, se maquia, canta bem para caramba. Mas essa consciência não podia ter parado ali" , diz. "Não precisa oferecer trabalho para quem já tem sua fatia conquistada, ainda mais se tratando de uma obra tão icônica para a nossa comunidade, como é 'Priscilla'" , lamenta. 

O ator Fagner Saraiva, que faz a drag Papona, acrescenta que a arte drag vem alcançando repercussão, mas ainda falta compromisso das grandes produções com o reparo histórico.

"Precisamos repensar a prática midiática, precisamos falar das que vieram antes. A arte drag tem tomado uma grande repercussão depois de RuPaul, porém é necessário reverenciar as que abriram o caminho, que trouxeram esta arte como uma linguagem específica para nossa luta LGBTQIAPN+. As produções contemporâneas precisam ter um compromisso com isso, para que o apagamento histórico que está curso não se propague mais" , alerta Fagner. 

"Verónica Valenttino é um nome forte neste debate sobre ocupação dos espaços por direito, uma travesti nordestina que desbrava São Paulo e coloca sua identidade nas obras, fugindo do padrão eurocêntrico. Assim como a escolha da atriz Wallie. Nestes pontos dá para perceber grandes acertos da produção" , pondera.

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