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Domingo, 22 de dezembro de 2024

Quando a rede social deixa de ser um prazer e se transforma em dor

Pacientes com transtornos de depressão e ansiedade enchem consultórios de psicólogos e psiquiatras relatando agravamento pela dependência do mundo virtual

25 de abr 2022 - 15h:42 Créditos: FACUNICAMPS
Crédito: Imagem Ilustrativa

Você acorda e a primeira coisa que faz é checar suas redes sociais: WhatsApp, Instagram, Facebook, Twitter, Tik Tok, Youtube. Atitude que se repete a todo momento durante o dia de forma automática. 

A sua exposição em fotos, stories e outras ferramentas digitais deixa de ser uma distração para se tornar uma necessidade diária. Quando perde o acesso por algum motivo, surgem sintomas de abstinência: irritabilidade, inquietação, ansiedade. A comparação da sua vida com o que você vê nas redes de outras pessoas é uma constante: estética, viagens, vida social; tudo te leva a se sentir inferior.

 Você começa a buscar a felicidade que está na sua timeline e deixa de enxergar as alegrias que têm na sua vida real. Se você se identificou com esse comportamento, cuidado! 

São sinais de que a sua presença nas redes sociais está excessiva e, junto a outros fatores, pode acarretar quadros de depressão e de ansiedade patológica.

Casos de depressão agravados pela influência das redes sociais são cada vez mais comuns nos consultórios de psicologia e psiquiatria.

 Estudos recentes comprovam essa associação e apontam para uma maior vulnerabilidade em crianças e adolescentes. 

Docente do curso de Psicologia da FacUnicamps e participante do webinar, o professor doutor Júlio César Alves conta que percebeu claramente em seu consultório o aumento de casos de depressão agravada pelo uso descontrolado das redes sociais.

“São pacientes que estão cansados de manter uma determinada imagem na rede social, de ter que produzir conteúdo para tantas redes. Apesar de ter uma projeção no mercado, há um desequilíbrio. Já atendi vários casos de pessoas que ficaram extremamente deprimidas porque foram mal avaliadas nas redes sociais. Um vídeo que ela postou e que foi muito criticado pelo público, por exemplo. Isso se reflete no humor, no comportamento fora da rede social e pode acarretar o adoecimento.”

O debate sobre as consequências do uso de redes sociais na saúde mental das pessoas se tornou ainda mais importante durante a pandemia, quando o isolamento abriu mais tempo para o ócio digital. Informar, alertar para os riscos e conscientizar sobre as consequências ajuda as pessoas a reconhecerem o problema, quando ele existe, e buscar ajuda.

“A psicologia contribui com a busca de autonomia. O verdadeiro empoderamento é ter essa autonomia nas pequenas coisas, inclusive no tempo em que você fica conectado e no tempo que você dedica para a sua vida real, fora das redes sociais”, afirma Andrea Palmerston, coordenadora do curso de Psicologia da FacUnicamps.

Avaliada por 7 anos consecutivos pelo MEC como a melhor instituição de ensino superior do estado de Goiás, a FacUnicamps mantém uma Clínica de Psicologia onde faz o acolhimento e aconselhamento psicopedagógico aos acadêmicos e seus familiares que precisam de ajuda profissional. A clínica foi reestruturada e está pronta para iniciar em breve o atendimento à comunidade em geral.

“Aqui na clínica observamos que a criança e o adolescente precisam ainda de mais atenção para evitar o adoecimento pela influência das redes sociais. Se o adulto já tem dificuldade de lidar com isso, um ambiente em que vê apenas pessoas felizes e bem-sucedidas, os mais jovens tendem a pensar que a vida dessas pessoas é uma vida perfeita. E acabam transformando isso em parâmetros para a própria vida, um embate entre a expectativa e a frustração que leva ao prejuízo da saúde mental”, avalia Tânia de Paula, psicóloga responsável pela Clínica de Psicologia da FacUnicamps.

A influência negativa das redes sociais na saúde mental chegou também aos consultórios de psiquiatria. “Existe a dúvida se pessoas ansiosas usariam mais as redes sociais ou se as redes sociais deixariam as pessoas mais ansiosas. Essas duas hipóteses são verdadeiras”, afirma a médica psiquiatra Daniela Londe, doutora em Ciências da Saúde, que vai integrar o quadro de especialistas do webinar em parceria com a FacUnicamps.

“Existe um importante estudo canadense, publicado em 2019, que avaliou cerca de 4 mil jovens entre 7 a 11 anos. Foi observado que mesmo os jovens que não estavam ansiosos, que não tinham um quadro patológico, foram ficando mais ansiosos à medida que usavam mais as redes.”

A especialista lista os principais comportamentos percebidos no uso das redes sociais que contribuem para quadros de depressão e ansiedade patológicas. A comparação da própria vida com a realidade postada por outros, gerando um sentimento de inferioridade e/ou incapacidade, está no topo dessa lista.

“Todo mundo tem dias bons e dias ruins. Mas geralmente as pessoas postam apenas o que é bom. O que se enxerga são ‘fragmentos’ do outro. Quem está em um dia ruim, vai vendo os posts e pensando ‘como aquela pessoa é mais bonita que eu, como o outro viaja mais, como aquele tem mais dinheiro. E isso acaba gerando uma programação de inferioridade na emotividade de quem está fazendo a comparação. E ela sempre tende a achar que é inferior aos outros”, explica Daniela Londe.

A especialista alerta para outro caso de adoecimento muito comum nos dias de hoje que acontece por influência das redes sociais. “A questão de seguir o ex. O ex-namorado, o ex-marido, o ex-companheiro. Parece algo simples, mas isso tem um impacto extremamente negativo na vida das pessoas. Ela ou ele vê o ex seguindo a vida e vem fortemente a sensação de que é infeliz, de que não conseguiu seguir, apesar de muitas vezes ter conseguido sim seguir a própria vida, porém a felicidade fragmentada e virtual do ex se sobrepõe aos próprios avanços.”

A cobrança por “saber tudo que está acontecendo” é outro fator que provoca ansiedade e até o adoecimento por meio das redes sociais. É o chamado Fear Of Missing Out (FOMO), que na tradução literal significa “medo de perder as novidades”. A pessoa sente uma necessidade de estar informado de tudo o que está acontecendo, de não perder movimento algum nas redes, de estar por dentro de todos os assuntos, comportamentos, polêmicas.

“Nós nunca vamos estar 100% atualizados, mesmo que a gente passe 100% do tempo conectado. E isso traz uma ansiedade enorme porque as informações não param de chegar. Começa a despertar um sentimento de angústia na pessoa que pode evoluir para sintomas de depressão”, explica a psiquiatra.

A privação do sono é mais um fator citado por Daniela Londe para causa ou agravamento de quadros depressivos. Jovens e adultos muitas vezes seguem madrugada adentro nas redes sociais porque durante o dia não tiveram o tempo desejado para explorar o conteúdo postado por outras pessoas.

E como já se sabe, as redes sociais possuem algoritmos para entender o que o usuário gosta, o conteúdo que prende a atenção de cada um que ali está, e o aplicativo usa desse subterfúgio para impedir que o usuário saia da rede. “Vão jogando aquilo que a gente mais vê, que a gente mais curte, e o tempo que era para dormir fica na rede social. E sono é vida, sono é sinal de estabilidade. A falta do sono causa uma grande alteração do ponto de vista hormonal, o que pode caminhar para um quadro de depressão e ansiedade endógenas, uma alteração interna do nosso organismo.”

FACUNICAMPS — Foto: Acervo
FACUNICAMPS — Foto: Acervo


Abstinência

A psiquiatra alerta para os sintomas de “abstinência de tela”, expressão usada para quem perde o acesso às redes sociais por algum motivo que foge à própria vontade. Essa abstinência se revela em irritabilidade, ansiedade, inquietação, insônia, suor frio associado aos outros sintomas, fissura, desejo desesperado e incontido para usar as redes sociais. São casos mais graves, não representam a maioria, mas que aparecem nos consultórios. E tudo isso é sinal de alerta.

“Já tive paciente que os pais chegaram no consultório abismados porque o filho preferiu não viajar com eles para o exterior porque não foi contratado o plano de internet para a viagem. Então ele prefere ficar em casa com todo o acesso que sempre teve às redes sociais”, lembra a psiquiatra.

Ela ressalta um dos maiores estudos conduzidos até hoje sobre o comportamento em redes sociais, no Reino Unido, que avaliou cerca de 150 mil jovens entre 14 e 24 anos, em diversas plataformas, com foco na relação entre o bem-estar e os quadros de ansiedade, depressão, preocupação excessiva com a autoimagem.

O Youtube foi considerado a plataforma com maior impacto positivo, segundo os autores do estudo, porque tem canais de informação construtiva, páginas com senso de comunidade, de pertencimento e motivação. O Instagram e o Snapchat, nessa ordem, foram os canais com maior impacto negativo na saúde emocional dos jovens avaliados, porque a interação é relativamente pequena e gera basicamente visualização de fragmentos do que há de melhor na vida do outro.


Sinais de que a rede social está prejudicando a Saúde Mental:

  • Uso em excesso;
  • Checagem das redes sociais assim que acorda;
  • Necessidade de exposição;
  • Ansiedade gerada pelo conteúdo exposto;
  • O mundo virtual determina a vida real;
  • Perda de interesse pela vida e relações sociais;
  • Perda ou ganho de peso;
  • Abandono de atividades físicas e convívio social;
  • Mudança de humor;
  • Insônia;
  • Falta de energia na maior parte do dia;
  • Sentimento de inferioridade e/ou inutilidade;
  • Concentração reduzida para as tarefas da vida real.

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