Diferente de boa parte dos bairros de Campo Grande, o Portal da Lagoa até tem placas identificando as suas 23 ruas, mas o problema por lá, na saída para Rochedinho, é que a informação fica sem sentido diante da ausência de CEP (Código de Endereçamento Postal).
Para pedir um cartão de banco, por exemplo, moradora fornece o endereço da irmã em outro bairro. Se o pedido é de pizza ou de carro de aplicativo, a solução é informar a Rua Teobaldo Kafir, último ponto oficialmente dentro de Campo Grande. A partir daí, é preciso mandar localização ou ir direcionando os entregadores ou motoristas.
A rotina de dificuldades impostas ao loteamento, que foi lançado em 1997 pela Correta Empreendimentos Imobiliários, é decorrente de a área ter ficado de fora do perímetro urbano. Desta forma, o local não tem CEP, escritura ou cobrança de IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).
“Não chega nem cartão do banco. Para receber, eu passo o endereço da minha irmã”, conta Mayara Aparecida Alves, 32 anos, que mora no local desde a adolescência.
A correspondência era distribuída por uma moradora, que cobrava pequena taxa, mas diante da reclamação de que o serviço não poderia ser cobrado, a atividade foi suspensa e, agora, é preciso buscar no Correios, no Centro de Campo Grande. Já as contas de consumo são entregues nos imóveis pelas concessionárias prestadoras dos serviços e água e luz.
Em 2016, a Justiça condenou a empresa e a prefeitura a regularizar o bairro clandestino. Diante da decisão, o Portal da Lagoa ingressou oficialmente na área urbana em agosto de 2019, 120 dias após a publicação da revisão do plano diretor. Capaz de absorver os moradores da cidade até 2099, o perímetro urbano teve que crescer para abraçar o loteamento.
Para o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o prazo fatal para regularização terminou em 4 de dezembro de 2021. Para a PGM (Procuradoria-Geral do Município), o período se esgotava em agosto do ano passado.
Em documento apresentado à Justiça em dezembro, a Correta Empreendimentos detalhou que foram concluídos levantamento topográfico, projeto geométrico (que mostra os principais elementos do loteamento) e projeto de sinalização viária. Seguiam pendentes os projetos de terraplanagem, pavimentação e drenagem.
Entre a cidade e a roça - Ainda meio cidade meio zona rural, o Portal da Lagoa tem um pórtico na entrada, resquício dos planos de ser um residencial fechado. Atualmente, a estrutura serve para propaganda de comerciantes. Depois do asfalto da Teobaldo Kafir, tudo é terra.
O bairro tende ao silêncio, com cachorros perambulando e pouca gente circulando. Outro hábito que lembra o campo é anotar a compra na caderneta e pagar só no fim do mês, benefício para a clientela das antigas.
O cenário ainda revela poucos comércios e igrejas. Por lá não tem escola e com essa inclusão documental no perímetro urbano, surgiu um novo problema, o ônibus rural que levava os estudantes até colégio no Cabreúva deve ser desativado.
De acordo com Maruzane Batista Barbosa, vice-presidente da Associação de moradores do Portal da Lagoa, até o ano passado as crianças e adolescentes eram transportados por dois ônibus. Agora, o serviço fica com o transporte coletivo urbano.
A família de Maruzane comprou lote na década de 90. “Me mudei para cá pensando em estudar, queria fazer faculdade”, diz.
“Sem a regularização, o bairro não avança, somos o único parcelamento atrasado. É muito importante ter a documentação, a escritura é fundamental. Sem CEP é como se você não tivesse nada, não pode fazer uma compra a prazo”, diz Pablo Oliveira, presidente da Associação de Moradores São Caetano e Portal da Lagoa. De acordo com ele, a regularização ainda está em análise pela prefeitura.
O morador Elizeu Ângelo Gonzales Villalba, integrante da comissão que busca a regularização do bairro, afirma que a última informação oficial obtida na prefeitura foi em novembro. “Estavam terminando de fazer o licenciamento, mas não tinha prazo. A nossa principal queixa é o CEP. Os Correios não entram aqui”.
Indenizações – A Justiça também determinou que a Correta Empreendimentos pagasse indenização aos moradores. O valor pelo dano moral inicialmente era de R$ 10 mil, mas foi reduzido para R$ 1 mil pelo TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). São cerca de 70 ações judiciais, mas ainda sem pagamento, apesar de a decisão ter chegado ao fim (transitado em julgado) na data de 6 de maio de 2019.
“O Portal da Lagoa tem contratantes que quitaram seus imóveis, outros que compraram de boa-fé, mas não quitaram e tem também invasores. Cada qual deverá ser tratado com sua devida peculiaridade, é um procedimento longo e burocrático tendo em vista que a sentença fala não só de danos morais, mas de regularização. Até o presente momento, nenhum contratante foi indenizado ou teve sua documentação em mãos”, informa a advogada Karla Rivarola, representante de grupo de moradores.
Em janeiro deste ano, a juíza substituta Monique Rafaele Antunes Krieger determinou prazo de 15 dias para o pagamento da indenização por dano moral para um casal residente no Piauí. O valor atualizado era de R$ 3.763.