Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) detectaram em morcegos, no Ceará, variantes do vírus da raiva semelhante à presente em saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), segundo informações da Agência Fapesp. A descoberta, publicada na revista científica Journal of Medical Virology, acende um alerta para a circulação do vírus, mortal para humanos.
Essa é a primeira vez que uma variante semelhante à dos saguis é encontrada em morcegos.
Nossos resultados permitem inferir a presença de distintas variantes do vírus da raiva, evolutivamente próximas e originalmente presentes em um determinado animal, em outros. Isso revela uma complexa dinâmica de espalhamento [spillover] e de múltipla transmissão viral entre hospedeiros — explica Ricardo Durães-Carvalho, pesquisador da EPM-Unifesp apoiado pela FAPESP e coordenador do estudo, à Agência Fapesp.
A análise de 144 amostras de tecido retirado do cérebro de morcegos pertencentes a 15 espécies fazem parte do parte do programa nacional de vigilância epidemiológica. No âmbito desse programa, os profissionais de saúde coletam mamíferos encontrados mortos ou com sintomas de infecção pelo vírus no Estado.
Foi extraído RNA das amostras para analisar os vírus encontrados. Em seguida, as sequências genéticas do vírus da raiva foram comparadas com outras depositadas em bancos de dados públicos.
Os resultados mostraram um primeiro conjunto de sequências compatível com variantes do vírus da raiva encontradas em duas espécies de morcego do Sudeste em 2010, e, para surpresa dos pesquisadores, um outro conjunto, tinha a variante semelhante a dos saguis.
Eles também se impressionaram ao encontrar essas novas variantes em espécies insetívoras e frugívoras de morcegos voadores. Os morcegos que se alimentam de sangue são mais conhecidos por serem hospedeiros e importantes transmissores do vírus da raiva.
Com a intensificação da vacinação dos animais domésticos, os silvestres se tornaram a principal fonte de raiva humana nas Américas. Morcegos e saguis são proeminentes atores na cadeia de transmissão da doençano Brasil.
Até agosto deste ano, foram encontrados sete saguis positivos para raiva. No Ceará, a doença é endêmica e temos um histórico de agressões de humanos por saguis e mortes por raiva, uma delas ocorrida em maio — conta Larissa Leão Ferrer de Sousa, servidora no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), em Fortaleza, e doutoranda na EPM-Unifesp, à Agência Fapesp.
Um agricultor de 36 anos morreu após ser agredido por um sagui em fevereiro no município de Cariús. O homem tentou ajudar o animal, que caiu em seu quintal com dificuldade de locomoção, mas foi mordido por ele. O agricultor só buscou atendimento meses depois, quando surgiram os primeiros sintomas da doença, mas não resistiu. A infecção pelo vírus da raiva causa encefalite progressiva, uma inflamação do cérebro que leva à morte em quase 100% dos casos.
— O animal já apresentava sinais de paralisia, um dos sintomas da raiva. Nem sempre o animal doente mostra agressividade e boca espumando, o que a população normalmente associa à raiva. Por vezes, nem mesmo há sintomas aparentes — explica a médica veterinária.
Os pesquisadores alertam que não se deve tocar em morcegos e outros mamíferos silvestres, pois eles podem estar infectados. Ao se deparar com esses animais, a recomendação é notificar o serviço de zoonoses do município. Se houver algum tipo de contato direto com o animal, é necessário procurar atendimento médico para que seja administrado soro e vacina antirrábicos, a depender do caso.
— O tempo de incubação do vírus da raiva é de 45 dias em média. Por isso, é de extrema importância que o indivíduo seja submetido à profilaxia pós-exposição imediatamente. Sem a realização desse tratamento [soro e vacina antirrábicos], quando aparecem os sintomas, o prognóstico normalmente é fatal — alerta Durães-Carvalho.