
Representatividade sempre foi uma palavra-chave quando o assunto é diversidade. É por meio dela que as pessoas buscam o reconhecimento de si mesmas em relação com o mundo. A falta de uma referência pode ocasionar problemas de identidade e afetar o desenvolvimento das interações sociais.
A psicóloga e sexóloga Bruna Belo explica que a falta de suporte pode desencadear outros problemas psicológicos, principalmente no desenvolvimento da sexualidade.
"Se eu tenho uma discriminação na família, mais a questão social, mais uma ideia de culpa e repressão... vai influenciando e pode afetar a saúde psicológica e emocional. Principalmente na adolescência, quando vão aparecendo mais contatos sexuais, afetivos, românticos", afirmou.
Ela mantém o perfil "Reflexualidade" nas redes sociais, com dicas e informações sobre sexualidade.
A artista Bramma Bremmer vivenciou parte desse problema. Descobriu cedo a sexualidade, mas não sabia como expressá-la. Situação que foi agravada pela timidez no trato com as pessoas. Foi durante a faculdade que ela se revelou uma pessoa cisgênero e bissexual. Mas essa definição não traduzia para as pessoas quem realmente era.
O rótulo, apesar de justificar as relações sociais, também impõe limites que acabam transgredindo a existência de uma pessoa com muito mais vontades e desejos, que extrapolam um conceito.
“Eu sou Bremmer. Eu já não estava me enquadrando nessas letrinhas, nessas caixinhas. Eu sempre me relacionei com pessoas de gêneros diversos: homens e mulheres cis, trans e travestis. Desde nova, mesmo. Em um primeiro momento, me entendia bissexual. Mas eu não conhecia o termo pan [pansexual]”, disse.
O termo é autoexplicativo. O prefixo pan significa “tudo”, enquanto sexualidade, neste contexto, tem relação direta com a orientação sexual. Isso quer dizer que a pessoa que se define como pansexual tem atração por qualquer outra pessoa, independentemente da identidade gênero ou orientação sexual.
A ideia, então, é criar novos mecanismos que facilitem a inclusão de mais representação. Por isso, é comum ver as letras da sigla LGBTQIA+ se expandirem, como forma de respeito às novas identidades de gênero e orientações sexuais. É o que sustenta a sexóloga Bruna Belo.
"A ideia é que a gente precisa pensar é que os rótulos estão dando significado, estão dando visibilidade. E cada vez mais, vamos aumentando a sigla mesmo, porque a gente vai conseguindo colocar mais nomes. Pensar pela lógica da diversidade sexual, mesmo que a gente não decore a sigla toda, mesmo que a gente não saiba todas as letrinhas, é no sentido de respeitar. Cada pessoa é múltipla, cada pessoa é plural”, explicou Bruna.
Fluidez
“Não é o meu desejo que define a minha sexualidade e sim a minha experiência de gênero. Eu já vivia a pansexualidade antes de me entender trans”, contou Bramma.
O contexto do teatro foi importante para que a artista se reconhecesse. Ela conta que o trabalho de consciência corporal estimulado pela prática da profissão ajudou a desenvolver uma percepção melhor sobre si mesma. A naturalidade que Bramma encontra nesses espaços de expressão da arte é bem diferente das experiências com as quais ela precisa lidar no dia a dia.
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“Acho que seria muito diferente se eu tivesse outra profissão. Sou mais aceita pela sociedade por ser artista. Pela família, por amigos. Mas, se eu vou à praia, entro em um ônibus, no Uber... É inevitável o olhar das pessoas”, refletiu.
Bramma contou que, desde que assumiu uma identidade não-binária passou a sofrer ataques preconceituosos e assédio, principalmente por parte de motoristas da Uber.
“Em uma dimensão afetiva, corpos trans e de mulheres em geral, são vistos totalmente em um lugar de objeto, do fetiche, do sexo, do imaginário que cola ser trans como uma prostituta”, afirmou.
Espaço de influência
Mesmo tendo conhecimento e até vivenciado situações de preconceito e violência a partir da identidade de gênero, Bramma reconhece alguns avanços sociais sobre o tema. Ela atribui ao aumento da participação pública de pessoas LGBTQIA+ nas relações de política.
É o caso por exemplo da vereadora Duda Salabert (PDT), que mais recebeu votos na história da Câmara de Belo Horizonte.
Além disso, Bramma aponta que a visibilidade também contribui para as discussões ao redor do tema e percebeu aumento na ocupação de pessoas LGBTIQA+ em debates na imprensa e por meio da representação em novelas e filmes. Mas pondera, também, que a representatividade foi tomada por uma visão mercadológica, carregada de estereótipos.
“É importante dizer que essas histórias [de LGBTQIA+] sempre existiram. Antes, talvez, não estavam sendo representados. Minha avó, uma senhora de 78 anos, quando conversa comigo sobre isso, se lembra de uma vizinha que morava na esquina. Era um menino, mas passou a usar vestido. Isso em 1950. Mas a visibilidade não é tudo, porque ela acaba virando instrumento do capitalismo. A representatividade não é só neste mês [de junho]. Precisamos ocupar mais espaços de poder para que a representatividade não se dê só neste recorte [do orgulho LGBTQIA+], não só neste período”, afirmou.
O que diz a Uber
Sobre abordagens discriminatórias ou violência, a Uber informou que ampliou o canal de acolhimento de vítimas de violência sexual e vítimas de condutas discriminatórias baseadas em raça, identidade de gênero, orientação sexual, expressão de gênero, intolerância religiosa, capacitismo, entre outras.
O objetivo do canal é acolher as pessoas que reportam um incidente do tipo pelo aplicativo da Uber. Após serem atendidas pelo time de suporte do app, as vítimas são encaminhadas ao suporte psicológico qualificado.