
No ano passado, Mato Grosso do Sul registrou assassinatos de 33 indígenas, sendo o terceiro estado do País com mais caso, atrás apenas de Roraima (57) e Amazonas (45). O número representa uma queda 23,26% em relação ao ano anterior, quando foram 43 mortes.
Os dados fazem parte de relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Do total de vítimas, 26 eram do gênero masculino e 7, feminino.
Vítimas
O documento destaca como caso marcante do contexto de violência contra os povos indígenas o assassinato de Neri Ramos da Silva, Guarani Kaiowá de 23 anos, que foi morto com um tiro na cabeça durante uma operação policial na Terra Indígena Ñanderu Marangatu, em Antônio João (MS).
Ele foi morto no dia 18 de setembro de 2024, durante confronto com o Batalhão de Choque da Polícia Militar. Na ocasião, o Choque informou que a vítima teria atirado contra os policiais, que revidaram.
Já o Cimi alegou execução, citando no relatório que, dias antes, em 12 de setembro, outro ataque da PM contra a retomada da fazenda Barra, em Ñande Ru Marangatu, havia deixado uma mulher e dois homens guarani kaiowá feridos.
Na noite do mesmo dia, a Justiça Federal de Ponta Porã publicou uma decisão autorizando a atuação da polícia estadual em proteção à propriedade privada.
Outro caso citado como destaque no relatório é de uma adolescente de 16 anos, também guarani kaiowá, foi encontrada morta com ferimentos no corpo e sinais de estupro. O corpo foi encontrado pendurado em uma árvore, simulando suicídio, mas os ferimentos apontaram para feminicídio, segundo o Cimi.
Dentro os casos, há ainda o latrocínio de uma indígena de 42 anos na aldeia Bororó, em Dourados, no dia 6 de janeiro. Entre os envolvidos estavam o marido da vítima, de 49 anos, e seu sobrinho, de 33 anos. Assim como no caso da adolescente, o marido tentou simular o suicídio da esposa, amarrando-a em uma árvore e colocando uma camiseta em seu pescoço.
No entanto, a Polícia Civil constatou a falta de pertences e dinheiro da casa, e que ela foi estrangulada e não enforcada e confrontou o marido e o sobrinho, que confessaram o crime, motivado pelo roubo de dinheiro.
Na madrugada de 20 de abril, João Vitor Ricardi Neres, 21 anos, morador da Aldeia Jaguapiru, em Dourados, foi morto a facadas durante uma confraternização. Ele estava com a esposa quando foi golpeado na barriga.
Um dia depois, em 21 de abril, Ronaldo Fernandes, de 26 anos, também morador da Aldeia Jaguapiru, foi baleado na cabeça enquanto voltava para casa após uma festa. Ele estava acompanhado de duas jovens, quando dois homens em uma moto se aproximaram e dispararam na direção do grupo.
Em novembro, Ivo Ruis, 27 anos, faleceu no hospital após ser encontrado com ferimentos pelo corpo em área da Reserva Indígena de Dourados.
Há ainda vários outros casos, sendo a maioria dos descritos ocorridos em Dourados.
Marco Temporal
O relatório destaca 2024 como o primeiro ano da vigência do Marco Temporal (Lei 14.701/2023), aprovado pelo Congresso Nacional e promulgada em dezembro de 2023.
De acordo com o Cimi, a legislação coloca o direito dos povos indígenas às suas terras e territórios numa situação de vulnerabilidade sem precedentes no período pós-Constituinte.
Segundo o documento, 154 conflitos referentes a direitos territoriais foram registrados em pelo menos 114 Terras Indígenas em 19 estados.
De acordo com o Cimi, o ano foi marcado por graves e violentos ataques armados contra comunidades indígenas em luta pela demarcação de suas terras, especialmente nos territórios Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, Avá-Guarani, no oeste do Paraná, e Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe, no sul e extremo sul da Bahia.
"Uma das principais consequências da promulgação da Lei 14.701/2023 foi a estagnação quase completa dos processos demarcatórios em curso, devido à insegurança jurídica gerada pela norma, que insere no ordenamento legal relativo à demarcação de terras indígenas parâmetros considerados 'inexequíveis' pela Funai", destaca o relatório.
Um reflexo deste cenário, ainda conforme o Cimi, é o fato de que aproximadamente dois terços (78) das terras e territórios indígenas que registraram conflitos relativos a direitos territoriais em 2024 não estão regularizadas.
Essas áreas, com pendências administrativas ou sem nenhuma providência para sua demarcação, concentraram pelo menos 101 dos 154 casos de conflitos registrados pelo Cimi em 2024.
O Ministério dos Povos Indígenas encaminhou nota à Agência Brasil afirmando que sempre se posicionou de forma contrária à Lei do Marco Temporal.
"Enquanto não se avança em uma solução concreta que não represente um retrocesso em relação aos direitos dos povos indígenas, a pasta vem atuando em diversas frentes para avançar naquilo que não é impactado pela lei vigente", afirmou.
O ministério destaca que, desde 2023, o governo federal homologou 13 territórios indígenas. Além disso, a pasta participou do processo que levou à assinatura de 11 portarias declaratórias.
"Em dois anos as homologações, que não aconteciam desde 2018, já ultrapassaram o montante dos últimos 10 anos antes da criação do ministério", declarou.
"Diante do passivo de demarcação de TIs no Brasil e do atraso referente ao prazo estabelecido pela Constituição, a posição do MPI é encontrar soluções que ponham fim definitivo ao ciclo de violência em conflitos fundiários que se aprofundaram ao longo de 2023 e 2024 em decorrência da lei do marco temporal", acrescentou.