No final da tarde desta quinta-feira (29), dois policiais federais à paisana foram detidos por indígenas no acampamento Jopara, no município de Coronel Sapucaia.
Segundo o relato de lideranças da área, eles viram homens armados e sem identificação circulando em uma caminhonete Hilux e acreditaram que fossem pistoleiros. Temendo ser atacados, detiveram os homens e alertaram as autoridades.
Como os homens não possuíam identificação, as lideranças não acreditaram que eles eram agentes da Polícia Federal. Por isso, avisaram imediatamente as Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado (DPE), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público Federal (MPF) e a própria PF.
Os indígenas também relatam que, enquanto a caminhonete rondava a retomada, um drone sobrevoava a comunidade. Quando a confusão foi desfeita e as autoridades confirmaram que os dois homens eram, de fato, agentes policiais, ambos foram liberados pela comunidade.
“Tínhamos certeza de que eram pistoleiros ou fazendeiros. Chegando assim armados, invadindo o território sem diálogo, sem nada, só podia ser um ataque. Foi por isso que prendemos e logo após prender chamamos as autoridades para pegá-los. Na nossa mente, um policial jamais agiria assim, com armas e rondando”, explica uma das lideranças do tekoha, não identificada por razões de segurança.
Tensão e violência
A situação desta quinta-feira ocorreu em meio a uma onda de violência e tensão envolvendo os povos Guarani-Kaiowá na região, com ameaças, ataques armados e assassinatos de lideranças em meio ao processo de luta pela terra. A paralisação das demarcações e a situação de vulnerabilidade e pressão nas reservas indígenas tem motivado a realização de novas retomadas pelos indígenas.
O próprio território Jopara foi retomado em maio, em protesto contra o assassinato do jovem Guarani-Kaiowá Alex Lopes, de apenas 18 anos. Segundo os indígenas, Alex teria sido morto na fazenda que, desde então, está sob a posse dos Guarani-Kaiowá. A fazenda retomada é vizinha à Terra Indígena (TI) Taquaperi e próxima à fronteira com o Paraguai, onde o corpo de Alex foi encontrado no dia 21 de maio.
Desde então, a situação na região tem sido tensa, com ameaças e a presença constante de homens armados e seguranças privados. Numa ação judicial de reintegração de posse, que tramita na Justiça Estadual, os proprietários da área buscam obter o despejo dos indígenas – que nem sequer foram admitidos no processo.
Além disso, a esfera de tramitação de processos judiciais envolvendo povos indígenas é federal, e a DPE recorreu que a ação seja transferida para a esfera federal.
Neste processo, os fazendeiros também pediram autorização para realizar a colheita do milho plantado na fazenda antes da retomada. O pedido foi concedido, mas com a condição de que a colheita seja realizada com apoio de uma operação policial e que a DPE e a DPU sejam comunicadas com antecedência.
“O juiz proferiu decisão liminar autorizando que os fazendeiros colhessem o milho localizado na retomada. Só que é necessário realizar uma operação oficial para a colheita. A DPE e a DPU requereram aos juízo que qualquer ato seja acompanhado por eles, devendo ser intimados antecipadamente, com intuito, lógico, de evitar conflitos, e o juiz atendeu à solicitação. Assim como, também deferiu que a Comissão de Resolução de Conflitos Fundiários da Assembleia Legislativa fosse intimada para acompanhar tais diligências”, explica Anderson Santos, assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) em Mato Grosso do Sul.
“Ontem, o juiz proferiu decisão, ainda não publicada, autorizando que a PF acompanhasse o oficial de justiça até a lavoura para ver se é viável colher o milho. E, destaca-se, o despacho do claro ao dizer que qualquer ato deve ser comunicado às defensorias públicas, até para não ocorrer fatos como esses de hoje”, aponta o advogado.
Por isso, a presença dos agentes policiais na retomada, à paisana e sem aviso prévio à comunidade e às autoridades, causou estranheza e receio de novos ataques na comunidade indígena, que se antecipou e deteve os homens até então não identificados. Agora, além de novas ações violentas contra a retomada, a comunidade teme um processo de criminalização.